AVALIAO DA INCIDNCIA DE SINTOMAS DEPRESSIVOS EM ALUNOS DE 1 A 4 SRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL, A PARTIR DO INVENTRIO DE DE

AVALIAO DA INCIDNCIA DE SINTOMAS DEPRESSIVOS EM ALUNOS DE 1 A 4 SRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL, A PARTIR DO INVENTRIO DE DEPRESSO INFANTIL (CDI)

 

EVALUATION OF THE INCIDENCE OF DEPRESSIVE SIMPTOMS IN STUDENTS FROM THE FIRST TO FOURTH GRADE OF ELEMENTARY SCHOOL, FROM CHILDRENS DEPRESSION INVENTORY (CDI)

 

Fernandes GV*, Castro PF**

 

RESUMO: O presente estudo objetiva avaliar a incidncia de sintomas depressivos em crianas de 1 a 4 srie do Ensino Fundamental, procurando estabelecer um comparativo com as questes sciodemogrficas das crianas envolvidas na pesquisa. A depresso infantil no mais negada nos dias de hoje, estudos destacam que at 2,5% das crianas e 8,5% dos adolescentes passam por depresso. Participaram da pesquisa 80 crianas com idade mdia de 8,13 anos, sendo 40 crianas de uma escola pblica e as outras 40 de uma escola privada, ambas situadas na Grande So Paulo. O instrumento utilizado foi o Inventrio de Depresso Infantil (CDI), que detecta aspectos gerais da sintomatologia depressiva. Os resultados revelaram que 15% das crianas da escola pblica e 5% da escola privada possuem sintomas depressivos, dentre elas, 62% so meninos e 38% meninas. Os principais sintomas depressivos observados na escola pblica foram os de fadiga, solido, tristeza, perturbao no sono, pessimismo, sentimento de menos valia, de culpa e preocupao. Na escola privada, os principais sintomas detectados foram sentimentos de menos valia, desobedincia / rebeldia, pessimismo, anedonia, culpa, choro, preocupao e solido. Fatores educacionais, relacionados diretamente a elementos scioculturais, interferiram nos resultados da pesquisa e na aplicao literal do CDI, mostrando a necessidade de um aprimoramento do instrumento em seus procedimentos de aplicao, para que a avaliao da sintomatologia depressiva possa se tornar mais precisa. Assim, sero necessrios estudos mais amplos, que contribuam para essas questes.

Palavras-chave: Depresso Infantil. Psicopatologia. Avaliao Psicolgica. CDI

 

ABSTRACT: The present study objectified to evaluate the incidence of depressive symptoms in children from the first to fourth grade, establishing a comparative with socio-demographic questions in children that composed the sample. Children depression no more is refused nowadays, studies emphasize that until 2,5% of the children and 8,5% of the teenagers go through depression. In this research, participated 80 children with a mean age of 8,13 : 40 of them were from public school, and the other 40 at a private school, both located in So Paulo City. The instrument utilized was Childrens Depression Inventory (CDI), which detects general aspects of depressive symptoms. The results revealed that 15% from public school and 5% from private school presents depressive symptoms, among them, 62% are boys and 38% are girls. The principal depressive symptoms observed in public school were about fatigue, loneliness, sadness, sleep disturbance, pessimism, decline self-esteem, blame and preoccupation. At the private school, the principal detected symptoms were: decline self-esteem, disobedience, rebelliousness, pessimism, anhedonia, blame, crying, preoccupation and loneliness. Educational factors, related directly to socio-cultural elements, interfered in the results of search and in the literal application of CDI, showing a necessity of refinement of the instrument in its proceedings application, for the assessment of  depressive symptoms can become more precise. Thus, larger studies are needed which contribute to these issues.

Keywords: Childhood Depression. Psychopatology. Psychological Assessment. CDI.

 

INTRODUO

 

Questes iniciais sobre depresso infantil

Nas ltimas dcadas, o tema depresso tem sido alvo de grande destaque, especialmente da psiquiatria. H grande quantidade de pesquisas, colquios e publicaes destinados a tratar do tema, como tambm um grande investimento da indstria farmacolgica para a medicao antidepressiva. 1

Segundo Bahls2, previsto que a depresso seja uma das doenas que substitua as tradicionais doenas infecciosas e de m nutrio e, que at 2020, seja a segunda enfermidade de maior incidncia.

De acordo com a World Health Organization3, estima-se que 121 milhes de pessoas tendero sofrer de depresso: 5,8% dos homens e 9,5% das mulheres podero experienciar um episdio depressivo em determinada idade. Kehl4, esclarece que 3% da populao norte-americana sofre de depresso crnica, cerca de 19 milhes de pessoas, das quais 2 milhes so crianas. Aponta tambm, que a depresso a principal causa de incapacitao em pessoas acima de cinco anos de idade e que os suicdios entre jovens e crianas de 10 a 14 anos aumentaram 120% entre 1980 e 1990.

Miller5 destaca que at 2,5% das crianas e 8,5% dos adolescentes passam por depresso. De acordo com o autor, a depresso varia de acordo com o sexo. Em garotos na pr-puberdade, os sintomas depressivos so duas vezes mais comuns do que em garotas; entretanto, em garotas na ps-puberdade, aps os doze anos, os sintomas depressivos eram duas vezes mais comuns. Esses dados, de acordo com o autor, sugerem que fatores genticos, biolgicos, sociais e culturais podem estar relacionados com o distrbio.

 

Do conceito de depresso depresso infantil

A depresso tem sido registrada desde a Antiguidade. Emil Kraepelin, em sua poca, destacou-se por sua significativa contribuio, na qual elaborou conhecimentos de psiquiatras franceses e alemes, descrevendo a psicose manaco-depressiva para o estabelecimento do diagnstico de transtorno bipolar I.6 Miller5, expe que Kraepelin, no final do sculo XIX, constatou que o perodo de normalidade entre episdios depressivos tornava-se menor a cada novo episdio sucessivo, como tambm verificou que o primeiro episdio depressivo era desencadeado por um estressor razoavelmente grave, porm, os episdios subsequentes, no necessitavam de um grande estressor para induzir a um prximo episdio depressivo.

De acordo com a Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamentos – CID-107, em sua dcima reviso, apresentado o quadro descrito como F32 – Episdio Depressivo – que se refere a indivduos que usualmente sofrem de humor deprimido, perda de interesse e prazer, e energia reduzida, levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuda. Outros sintomas comuns so: concentrao e ateno diminudas; autoestima e autoconfiana reduzidas; idias de culpa e inutilidade; vises desoladas e pessimistas do futuro; idias ou atos autolesivos ou suicdio; sono perturbado; apetite diminudo.

De acordo com a Associao de Psiquiatria Americana8, responsvel pela publicao do Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais - DSM-IV, no que refere aos transtornos depressivos, podem-se destacar: transtorno depressivo maior, transtorno distmico, transtorno depressivo sem outra especificao. Em relao aos especificadores descrevendo o episdio de humor mais recente, h as variedades leve, moderado, severo sem aspectos psicticos, severo com aspectos psicticos, em remisso parcial, em remisso completa, crnico, com caractersticas catatnicas, com caractersticas melanclicas, com caractersticas atpicas.

            Porto9, ao se referir classificao do DSM-IV, tece crticas ao conceito de depresso maior, considerando-o excessivamente abrangente, por isso, pouco preciso. J o conceito de melancolia apresentado pelo DSM-IV, segundo o autor, muito mais preciso. Para ele, os sentimentos de tristeza e alegria fazem parte da vida psquica normal. A tristeza uma resposta universal s situaes de perda, derrota, desapontamento, entre outras contrariedades. O autor expe, em seu estudo, os significados do termo depresso. Na linguagem corrente, empregado para designar um estado afetivo normal (tristeza); um sintoma, como resposta a situaes estressantes ou a circunstncias sociais e econmicas adversas; uma sndrome que inclui uma gama de alteraes, entre eles: alteraes de humor, cognitivas, psicomotoras e vegetativas e, finalmente, caracteriza a depresso como uma doena.

A depresso enquanto quadro nosogrfico da psiquiatria infantil, tornou-se objeto de interesse no sculo XX, a partir da dcada de 1960; porm, de acordo com Miller5, a idia de criana deprimida foi aceita mais amplamente a partir da dcada de 1970, passando a ser descrita com critrios e diagnsticos precisos. Um dos momentos em que foi determinante para suscitar o interesse dos profissionais de sade por essa patologia, foi a descrio dada por Spitz10 de depresso anacltica, que se refere separao da criana de seu objeto libidinal, ou seja, a criana permanece privada de sua me sem ter recebido um substituto aceitvel, por um perodo de cinco meses ou mais.

Como descreve a Associao de Psiquiatria Americana8, no que diz respeito ao episdio depressivo maior, em crianas e adolescentes o humor irritvel ou rabugento poder aparecer ao invs do triste ou abatido, como tambm uma queda abrupta no rendimento escolar, podendo refletir dificuldade de concentrao que um dos critrios do episdio. Em relao comorbidade, Rodrguez11 aponta que os transtornos afetivos em crianas e adolescentes so associados variedades de outros transtornos. Dentre os que ocorrem concomitantemente com a depresso est o Transtorno por Dficit de Ateno com Hiperatividade (TDAH), Transtornos de Ansiedade e Transtorno de Conduta.

De acordo com Ajuriaguerra12, o termo depresso no possui na criana o mesmo sentido que a depresso do adulto; o contedo no o mesmo e representa uma experincia diferente, de acordo com a idade manifesta.

 

Depresso: ponto de vista psicanaltico

Segundo os aportes psicanalticos, a depresso tem profunda relao com a perda do objeto de amor, seja ela real ou simblica. Klein13 elabora o conceito de posio depressiva, que designa a fase do desenvolvimento na qual a criana capaz de reconhecer o objeto na sua totalidade e estabelecer relaes com ele. A criana reconhece a me como separada dela, com uma vida prpria e como algum que mantm relaes com outras pessoas. Para a autora, somente depois que o objeto tenha sido amado como um todo, poder sua perda ser sentida como um todo (p. 358). A partir dessa tomada de conscincia da criana, instala-se um desamparo, uma completa dependncia e cime. A ansiedade da criana origina-se da ambivalncia e ela tem medo de que sejam seus prprios impulsos destrutivos que destruam o objeto que ela ama e do qual depende totalmente.

Como expe a autora, quanto mais a criana conseguir manter relaes de afinidade com sua me, mais facilmente a posio depressiva conseguir ser sobrepujada, mas, sobretudo, o sucesso desse processo depende da forma como a criana encontrar uma sada para o conflito de amor, dio e sadismo incontrolveis. As tendncias de reparao tm um papel importante no processo de superao da posio depressiva infantil. Nesse processo h mudanas psicolgicas que incluem a maturao do ego para o desenvolvimento do seu sentido de realidade psquica e realidade externa; da a importncia de circunstncias favorveis, para que esse desenvolvimento seja adequado.

            A forma de compreender esse processo do desenvolvimento do beb muito produtiva, principalmente para o esclarecimento da etiologia das neuroses e psicoses, como tambm para a compreenso de padres depressivos da criana. Para Klein13, a posio depressiva o ponto central do desenvolvimento da criana, a sua evoluo normal e sua capacidade de amor, segundo a autora, baseia-se principalmente na forma como o ego elabora e supera essa posio.

Winnicott14 acrescenta que h uma carncia existencial nesse estado de desenvolvimento, que surge no momento do desmame. Segundo o autor, se tudo correr bem nesse perodo, a posio depressiva atingida e se estabiliza na segunda metade do primeiro ano.

Rodrguez11, considera que o que ir estabelecer a diferena entre a depresso como um processo normal do desenvolvimento de uma enfermidade depressiva, ser a intensidade e durao do fenmeno.

Freud15 esclarece que no sofrimento do luto, h uma reao perda de um objeto amoroso, ou seja, o indivduo sabe o que perdeu, conscientemente. A realidade dessa perda exige que toda a libido seja retirada de suas ligaes com aquele objeto. Esse desinvestimento libidinal ocorre pouco a pouco e, durante esse processo, h uma inibio e perda de interesse pelo mundo externo; a libido recolhida e volta ao ego. Quando o processo do luto cessa, a libido que havia sido recolhida, volta a ser investida em objetos externos.

J na melancolia, de acordo com o autor, tambm h a experincia de perda do objeto amoroso, porm, ao contrrio do processo de luto, o indivduo sabe quem perdeu, mas no claramente o que foi perdido nesse algum. Portanto, a melancolia est relacionada a uma perda objetal inconsciente. Nesse caso, a libido tambm retirada do objeto perdido e volta-se para o ego, mas, diferente do luto, no h um reinvestimento dessa libido, ela aprisiona-se ao ego. A principal diferena que no luto h um empobrecimento do mundo externo; na melancolia, o prprio ego que sucumbe.

Recentemente, reflexes retratam quadros de depresso sem tristeza, ou seja, um conjunto de contedos psquicos que levam a um quadro depressivo, sem a manifestao sintomtica de tristeza. Nesses casos, a falta da subjetivao pessoal leva o paciente a uma ruptura emocional, com contedos psicolgicos comprometidos.16 Tal verso distancia o sintoma de tristeza da depresso clssica, apontada nos manuais descritivos.7,8

 

Pesquisas sobre depresso infantil

Pensando sob esse enfoque, a depresso, dependendo de sua seriedade, no s inibe intelectualmente a criana, mas a impossibilita de relacionar-se com o mundo externo de forma satisfatria, tamanha sua absoro interna, resultado de seus conflitos e angstias.

De acordo com Bahls2, o fenmeno da depresso em crianas e adolescentes, est mais frequente e ocorre cada vez mais cedo. De acordo com o autor, em crianas pr-escolares, idade entre seis e sete anos, as manifestaes clnicas mais comuns so os sintomas fsicos, principalmente dores fsicas e abdominais, fadiga e tontura. Essas queixas fsicas seriam seguidas por ansiedade (especialmente a de separao), fobias, agitao psicomotora ou hiperatividade, irritabilidade, diminuio do apetite com dificuldade de atingir o peso adequado, e alteraes no sono. O autor expe que, tambm nessa fase, h a ocorrncia de enurese, fisionomia triste, comunicao deficiente, choro frequente, movimentos repetitivos e auto e (ou) heteroagressividade. O prazer de brincar ou ir escola comumente diminuem.

Shafii e Shaffi17, destacam que o comportamento autodestrutivo na forma de bater a cabea severa e rapidamente, morder-se, engolir objetos perigosos e a propenso a acidentes, podem ser equivalentes a comportamentos suicidas em crianas que no verbalizam emoes.

J em crianas escolares, idade de sete a doze anos, Bahls2 aponta que o humor depressivo j pode ser verbalizado e relatado, frequentemente, como tristeza, irritabilidade ou tdio. O declnio e fracasso escolar ficam mais acentuados nessa fase, afinal, h uma significativa diminuio da concentrao e interesse, prprios do quadro depressivo.

Sandler e Joffe18, no que se refere combinao de alguns elementos que constituem a reao depressiva infantil, apresentam os seguintes elementos: criana triste, infeliz, deprimida; atitude de retraimento e desinteresse; insatisfao, com pouca capacidade de sentir prazer; sentimento de ser rejeitada ou mal amada; incapacidade de receber ou pedir ajuda; tendncia geral a regredir a uma fase com aumentos das necessidades orais; insnia ou outros distrbios do sono; atividades autoerticas; dificuldade de estabelecer um bom contato com o terapeuta.

As alteraes de comportamento observadas em crianas so muito importantes, por serem episdicas, e devem ser rigorosamente observadas, principalmente quando o fato das alteraes ocorre sem aparente explicao. As crianas que tinham uma conduta comportamental adequada e adaptada podem, repentinamente indicar irritao, destrutividade associadas dificuldade em seguir regras que antes seguiam19.

Bahls2, aborda que tanto em crianas pr-escolares como nas escolares, a depresso torna-se clara quando se observam temas das fantasias, desejos, sonhos, brincadeiras e jogos, como contedos predominantes de fracasso, frustrao, destruio, ferimentos, perdas ou abandonos, culpa, excesso de autocrtica e morte. O autor destaca que os professores so, frequentemente, os primeiros a perceberem as modificaes decorrentes da depresso nessas crianas.

Para Assumpo19, os sintomas depressivos em crianas tambm podem acompanhar sintomas psicticos, reconhecidos com o aparecimento de idias delirantes e alucinaes, predominantemente auditivas e de carter persecutrio ou religioso, assim como as alucinaes tteis e visuais, embora mais raras. De acordo com o autor, as idias suicidas tambm no so raras, apesar de dificilmente acontecerem antes dos dez anos de idade, isto provavelmente pelo prprio desenvolvimento cognitivo, que d um instrumental muito pobre para o planejamento e avaliao dos prprios atos.

Em relao etiologia, Coutinho20 afirma que os transtornos depressivos em crianas no so semelhantes aos dos adultos. Em sua tese, aponta, de modo geral, que entre os sintomas mais frequentes da depresso infantil destacam-se a tristeza, atitude de retraimento e desinteresse, insatisfao, pouca capacidade de sentir prazer, sentimento de ser rejeitada ou mal-amada, incapacidade de pedir ou receber ajuda, insnia ou outros distrbios do sono.

Miller5, ao estabelecer diferenas entre a depresso adulta e infantil, aborda que quando o episdio depressivo diagnosticado em crianas, normalmente o primeiro, enquanto que em adultos j ocorreram vrios episdios depressivos. As crianas que experienciam episdios depressivos, tero alta probabilidade de sofrerem outros episdios. De acordo com o autor, h grandes vantagens em se detectar precocemente os sintomas depressivos e fornecer tratamento imediato. Dessa forma, quando o primeiro episdio depressivo ocorre na infncia, ele deve ser considerado grave em termos de chance de recorrncia.

A idia da existncia de uma patologia familiar defendida por Rodrguez11, a autora descreve trs grandes tendncias das famlias de crianas e adolescentes deprimidos. A primeira seria de uma incidncia elevada de depresso em crianas por meio de um processo de identificao. A segunda trata de famlias com grandes dificuldades de manejarem sentimentos de hostilidade e agresso; alm de agredirem a criana, a impedem de expressar seus sentimentos negativos, castigando-as; isto por se constiturem em objetos que no podem tolerar a agresso da criana, pois se deprimem profundamente e se culpabilizam. A terceira tendncia, em famlias onde h o desprezo em relao criana.

Para Bandim, Sougey, Carvalho, Barbosa e Fonseca21, a entrevista com os pais e os dados colhidos junto escola, tornam-se fundamentais para se fazer um diagnstico preciso. No se deve negar a existncia de uma relao entre a escola e famlia, como diz Faria22, de uma maneira ou de outra, onipresente ou discreta, agradvel ou ameaadora, a escola faz parte da vida cotidiana de cada famlia. Principalmente nos dias de hoje, h uma exaltao da necessidade de se estabelecer um dilogo entre a escola e famlia. Isto, no que diz respeito ao diagnstico precoce da sintomatologia depressiva, bastante significativo.

A falta de informao de pais e professores sobre a depresso infantil pode contribuir para aumentar as dificuldades dos alunos e causar inmeras sequelas emocionais no futuro. evidente que famlia e educadores no esto preparados para fazer um diagnstico nas crianas. Cabe ressaltar que nem esse o papel dos mesmos. No entanto, um olhar mais atento a essas crianas permite que sejam reconhecidas mais cedo e encaminhas para um diagnstico mais cuidadoso associado interveno necessria23.

Para os pais, aceitar que seu filho est com depresso causa de muita ansiedade e, como coloca Rodrguez11, admitir que algo est errado, pode suscitar a fantasia de que fracassaram como pais.

Diante do que foi abordado at ento, pode-se observar que a depresso infantil um tema atual com estudos e pesquisas recentes, o que deve mobilizar a atuao dos profissionais envolvidos com essa problemtica. Para tanto, a escola e a famlia tem um papel fundamental nesse processo.

Atualmente, no se questiona o fato de que as crianas possam ficar deprimidas, e bem provvel que seus sintomas fiquem mais evidentes no contexto escolar, pois as crianas passam grande parte, se no todo o dia, nesse ambiente.

Em uma pesquisa realizada por Bandim et al.24 sobre o rendimento escolar em crianas de nove a doze anos com sintomas depressivos, de uma escola particular na cidade de Recife-PE, houve como resultado um prejuzo significativo no desempenho escolar em todas as matrias, especialmente em Portugus e Cincias, quando comparados com crianas sem sintomas depressivos.

Andriola e Cavalcante25 , avaliaram a depresso em alunos pr-escolares por meio da Escala de Sintomatologia Depressiva para Professores (ESDM-P), em uma amostra composta por 345 alunos de pr-escola, com idade mdia de 5,6 anos, de ambos os sexos. As anlises feitas atravs das respostas dos professores, revelaram que 3,9% das crianas do respectivo estudo apresentaram prevalncia depresso.

Outra pesquisa de destaque a de Golfeto et al. 26, que avaliaram as propriedades psicomtricas do Inventrio de Depresso Infantil (CDI) adaptado para o Brasil, por meio da anlise fatorial e de consistncia interna, com uma amostra de 287 escolares de Ribeiro Preto, situados entre 7 e 14 anos. A concluso foi de que o CDI til para rastrear sintomas gerais de depresso.

De acordo com Barbosa e Lucena27, a escola um local favorvel realizao de estudos epidemiolgicos em crianas. O comportamento depressivo na infncia, muito provavelmente, apresentar suas consequncias no contexto educacional, assim, o baixo rendimento escolar representa um dos primeiros sinais do surgimento de um possvel quadro depressivo. Segundo Andriola e Cavalvante25, o diagnstico precoce revela-se imprescindvel para que os comportamentos depressivos possam ser com mais facilidade tratados e (ou) modificados.

Coutinho, Moreira e Jacquemin28 ressaltam a importncia de pesquisas que possam servir na avaliao da sintomatologia da depresso infantil, no apenas para explicar a dor humana gerada por esse transtorno, mas para intervir na melhoria da qualidade da vida humana, atravs de prticas preventivas e educacionais nas instituies escolar e familiar.

No que se refere sintomatologia depressiva, o presente estudo poder criar subsdios que auxiliem nas reflexes pertinentes ao quadro da depresso infantil, podendo contribuir para uma melhor compreenso desse importante fenmeno humano e, assim, proporcionar condies para a conscientizao em relao ao tema e sobre a importncia do diagnstico precoce dos sintomas depressivos, tornando mais provvel a amenizao do quadro em crianas.

Do ponto de vista antropolgico, a depresso infantil caracteriza-se como uma possvel categoria para diferentes aspectos da realidade, levando a identificao de problemas de outra ordem. Podem identificar a insatisfao dos adultos frente realidade psquica das crianas. Por isso, pode ser compreendida de forma diferenciada de quadros correlatos em adultos, sob o ponto de vista da realidade cultural.29

Tratando-se de realidade, reflexes de Cruvinel e Boruchovitch30 enfatizam que o estudo e a melhor compreenso da depresso infantil podem levar minimizao de vrias dificuldades cotidianas de grande grupo de crianas, principalmente no ambiente escolar e educacional, por ser espao onde a criana passa grande parte de tempo e onde os sintomas podem surgir de forma mais evidente. Outro aspecto a ser considerado na investigao da depresso infantil a constituio das relaes familiares, estudos apontam estreita relao entre a sade mental dos pais e de crianas que apresentaram quadros de depresso infantil, constituindo-se assim como outro fator importante de realidade a ser considerada31. Tanto escola como ambiente familiar so espaos de importante anlise para consideraes da depresso infantil.

Diante do que foi exposto teoricamente, o presente artigo avaliou a incidncia de sintomas depressivos em crianas de 1 a 4 srie do Ensino Fundamental, estabelecendo um comparativo com as questes sciodemogrficas das crianas envolvidas na pesquisa.

 

MTODO

 

Sujeitos:

Participaram da pesquisa 80 crianas de 1 a 4 srie do Ensino Fundamental, sendo 40 crianas de uma escola pblica e as outras 40 de uma escola privada, ambas situadas na Grande So Paulo. De cada srie especificada, participaram dez crianas, divididas igualmente quanto ao sexo.

 

Instrumento para a coleta de dados:

Os dados foram levantados a partir do Inventrio de Depresso Infantil (CDI), que surgiu inicialmente nos Estados Unidos e prope mensurar os sintomas depressivos em crianas e adolescentes, situados na faixa-etria dos sete aos dezessete anos. Seu objetivo geral detectar a presena e seriedade de Transtorno Depressivo. um instrumento que foi normatizado e adaptado para a cidade de Joo Pessoa – Brasil –  por Barbosa e Lucena27. Na verso adaptada, o CDI possui 20 itens, cada um dos itens consta com trs opes de respostas, para cada uma delas um valor correspondente (a = 0; b = 1 e c = 2). O sujeito deve assinalar a opo que melhor o descreve nas ltimas duas semanas. Das trs opes apresentadas em cada item, uma refere-se normalidade, outra severidade dos sintomas e a terceira enfermidade clnica mais significativa.

            Apesar da maioria dos estudos brasileiros sobre depresso infantil, utilizando o CDI, empregarem o ponto de corte 17, preferiu-se, neste estudo, utilizar o ponto de corte 16, excluindo um item do questionrio. Essa preferncia foi baseada na pesquisa de Cruvinel23. O item que se optou retirar foi o 9, de maneira que o inventrio ficou composto de um total  de 19 itens. O item 9 refere-se a uma questo que investiga a inteno suicida; sua retirada justifica-se na medida que se escolheu a faixa etria correspondente a alunos de 1 a 4 srie do Ensino Fundamental e, como aborda Cassorla32, o suicdio em crianas uma condio pouco frequente, sendo que a depresso no precisa, necessariamente, estar associada ao suicdio; tambm, omitiu-se o referido item, com o propsito de evitar que as crianas pudessem abalar-se emocionalmente com essa questo.

            Assim como na pesquisa anteriormente descrita, a retirada do item 9 foi estatisticamente levada em conta e foram realizados ajustes no clculo das mdias dos sujeitos no inventrio. Dessa forma, a pontuao mxima ser 38 e a mnima 0.

            O CDI foi escolhido por se tratar de instrumento psicomtrico de avaliao da depresso infantil que possibilita a identificao quantitativa da prevalncia da depresso em crianas. Estudos mostraram a confiabilidade do inventrio em pesquisas e tambm na identificao clnica do quadro de depresso infantil.

            O instrumento pode ser uma interessante estratgia para levantar o reconhecimento e a triagem com sintomas depressivos, embora solicitar que uma criana estabelea as respostas sobre seus sentimentos pode ser tarefa complexa33.

O CDI mostrou-se adequado como instrumento de screenning, qualquer que seja o contexto onde a criana se insere. Dados da pesquisa realizada apresentam composio trifatorial e um alfa de Cronbach de 0,85 no CDI, demonstrando boa consistncia interna, tal informao indica que a adaptao brasileira para o inventrio apresenta aspectos psicomtricos satisfatrios, embora mais estudos sejam necessrios para generalizaes nacionais34.

Anlises mostraram que o CDI claramente uma medida unifatorial que avalia a depresso infantil a partir de uma estrutura fatorial dentro do que recomendado pela literatura psicomtrica, apesar de indicar, tambm, a necessidade de pesquisas em outros contextos com amostras heterogneas35.

 

Procedimento para a coleta de dados:

Inicialmente a pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comit de tica em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Guarulhos.

Foi realizado um contato com uma escola privada e outra pblica, para que fossem explicitados os objetivos da pesquisa, solicitando a autorizao para a sua realizao. Em seguida, foram enviados os termos de consentimento para os pais de cada criana de 1 a 4 srie do Ensino Fundamental, dos turnos da manh e tarde.

A partir desses passos, iniciou-se a aplicao do CDI nas crianas que estavam devidamente autorizadas. Em um primeiro momento, optou-se pela aplicao coletiva, com exceo da 1 srie; porm, no decorrer do processo, observou-se a necessidade da aplicao individual, principalmente no que se refere a adequada compreenso das questes. Alguns casos foram retomados, e praticamente a partir do segundo dia de aplicao, optou-se pela aplicao individual do inventrio.

Para a aplicao, inicialmente coletiva, do CDI, foi dada a seguinte instruo: Vocs iro responder este questionrio. Observem que eles tm trs opes; escolham uma delas e marquem com um X aquela que vocs escolheram. No deixem nenhuma pergunta sem ser respondida, entenderam?20

Para a aplicao individual do CDI, foi dada a seguinte instruo: Eu vou ler algumas questes que possuem trs opes de resposta; voc dever escolher com qual delas voc mais se identifica e me dizer apenas uma opo. Se no entender algo pode perguntar que eu explico ou leio novamente. Alguma dvida?.

 

RESULTADOS

 

Para a apresentao dos resultados so levados em conta os objetivos do presente estudo, que se referem avaliao da incidncia dos sintomas depressivos, estabelecendo um comparativo com as questes sciodemogrficas das crianas envolvidas na pesquisa.

            A Tabela 1 apresenta os dados demogrficos da amostra da escola pblica, com sexo, idade e srie escolar. As idades variaram entre 7 e 11 anos, com uma mdia de 8,13 anos e desvio padro de 1,2.

 

A Tabela 2 refere-se aos dados demogrficos da amostra da escola privada, que apresentam idades entre 7 e 10 anos, com uma mdia de 8,18 anos e desvio padro de 1,02.

 

           

A Figura 1 ilustra as idades distribudas em sries da amostra da escola pblica, destacando que 25% das crianas com 7 anos esto na 1 srie; 15% com 8 anos e 2,5% com 11 anos esto na 3 srie; 17,5% das crianas com 9 anos esto na 4 srie; e, finalmente, as crianas com 10 anos representam 7,5% da amostra e tambm esto na 4 srie.

 

Como apresenta a Figura 2, agora referindo-se distribuio das idades em srie da amostra da escola privada, tambm 25% das crianas com 7 anos esto na 1 srie; 17,5% das crianas com 8 anos esto na 3 srie; das crianas com 9 anos, 2,5% esto na 2 srie e 10% na 4 srie; a maioria das crianas da 4 srie possuem 10 anos, representando um percentual de 15%.

 

 

 

Como ilustra a Figura 3, na amostra da escola pblica, 15% das crianas possuem sintomas depressivos (N=6); j como observa-se na Figura 4, na amostra da escola privada  5% das crianas possuem sintomas depressivos (N=2).

 

Na Tabela 3, possvel observar que 83,3% das crianas da escola pblica com sintomas depressivos so do sexo masculino; 33,3% possuem 7 e 8 anos, situados na 2 e 3 sries. Nas crianas com 10 anos no foi observada a presena significativa de sintomas depressivos.

      J na Tabela 4, que representa a amostra da escola privada, 100% das crianas com sintomas depressivos so do sexo feminino, com idades de 7 e 8 anos, situadas na 1 e 3 sries.

 

            Na Figura 5, que representa a amostra de crianas com sintomatologia depressiva tanto da escola pblica como da privada, observa-se que o percentual de meninos ainda permanece mais elevado, com 62%, enquanto que as meninas representam 38% da amostra referida.

Em relao s respostas, da amostra total, emitidas pelas crianas da escola pblica, tem-se que, destas crianas, 47,5% temem que coisas ruins lhes aconteam; 45% das crianas se divertem somente com algumas coisas; e 42,5% acreditam que possuem alguns aspectos negativos em sua aparncia.

Quando os dados das crianas de escola pblica com sintomas depressivos so separadas, tem-se que, no que se refere opo de maior gravidade, 83,3% expressaram que esto sempre cansados e sempre se sentem sozinhos; 66,7% afirmaram que esto sempre tristes, que nada dar certo para eles, e que sempre possuem dificuldades para dormirem noite; 50% das crianas responderam que fazem tudo errado, que tudo de mau que lhes acontece por sua culpa, e que sempre sentem-se preocupados; e 36% afirmaram que nada divertido para elas, que possuem certeza que coisas terrveis lhes acontecero, e que no podem ser to bons quanto outras crianas.

Na anlise das respostas emitidas pelas crianas da escola privada, considerando-se a amostra total, observa-se que destas crianas, 50% afirmaram que no tm certeza se as coisas daro certo para elas, e que temem que coisas ruins lhes aconteam; 37,5% expressaram que se sentem sozinhas muitas vezes, que se divertem na escola somente de vez em quando, e que no fazem o que mandam com frequncia.

Separando-se as respostas emitidas no CDI pelas crianas com sintomas depressivos da escola privada, verifica-se que destas crianas, no que se refere opo de maior gravidade, 100% responderam que fazem tudo errado, que se odeiam, que se acham feias, e que nunca fazem o que mandam; 50% afirmaram que nada dar certo para elas, que no se divertem com nada, que so sempre ms, tm certeza que coisas terrveis lhes acontecero, que tudo de mau que lhes acontece por sua culpa, sentem vontade de chorar diariamente, sempre sentem-se preocupadas, no gostam de estar com pessoas, sempre sentem-se sozinhas, e que no podem ser to boas quanto as outras crianas.

     

A Tabela 5 refere-se pontuao mdia obtida no CDI. Observa-se que a pontuao mdia da escola pblica foi de 10,15, enquanto que na escola privada, cai para uma mdia de 7,18 pontos. A mdia da escola pblica, somada ao seu desvio padro, confere com o ponto de corte (16) utilizado nesta pesquisa, enquanto que na escola privada a mdia mais o desvio padro (12,3), distancia-se significativamente do ponto de corte.

Para avaliar estatisticamente a relao das pontuaes obtidas no CDI entre a escola pblica e a privada, foi utilizada a correlao de Pearson. O resultado (r = 0,1) revela uma correlao direta muito fraca, ou seja, no foram observadas correlaes significativas na pontuao do CDI entre as escolas. Tambm no houve diferena significativa entre o CDI e idade (r = -0,03).

            A correlao de Pearson tambm foi utilizada para avaliar possveis relaes entre a pontuao no CDI e idade. Os resultados tanto da escola pblica (r = -0,03) como da privada (r = -0,1), revelaram que no h correlaes significativas entre sintomas depressivos e idade.

 

DISCUSSO

 

            Verificou-se na populao estudada, que 15% das crianas da amostra da escola pblica possuem sintomas de depresso, porquanto na amostra da escola privada, o resultado fora de 5%.

Nota-se uma diferena no resultado entre as escolas, apontando para diferenas scioeconmicas como um fator que pode interferir sobre a sintomatologia da depresso infantil. H de se considerar a escassez de estudos que abordam a influncia de questes scioeconmicas sobre a sintomatologia depressiva. A escola pblica, na qual parte da amostra foi composta, situa-se em uma regio perifrica bastante carente, favorecendo para um nmero maior de estressores que podem desencadear os sintomas da depresso, porm, somente em crianas que j possuam tal predisposio, assim como sugere os apontamentos de Hankin e Abramson36 sobre um modelo cognitivo de vulnerabilidade ao estresse.

            Dos 15% de crianas com sintomas depressivos da escola pblica, 83,3% so do sexo masculino, e apenas 16,7% do sexo feminino. Este dado confere com o apresentado na literatura internacional por Hankin e Abramson36 de que em meninos os sintomas da depresso infantil so mais frequentes antes da adolescncia, j os sintomas depressivos em meninas intensificam-se no incio da adolescncia. No estudo de Twenge e Nolen-Hoeksema37, observou-se que nas meninas os sintomas depressivos tiveram seu pico aos 15 anos, enquanto que nos garotos os sintomas permaneceram estveis; porm, estatisticamente no houve dados significantes para que a diferena quanto ao gnero pudesse ser estabelecida. Baptista38, relata que os fatores biolgicos parecem desempenhar um importante papel, j que a diferena entre meninos e meninas modificam-se na adolescncia.

            Qualitativamente, no que se refere diferena quanto ao sexo das crianas da escola pblica com a sintomatologia depressiva, observou-se que grande parte dos meninos trabalham com os pais para ajudarem nas despesas de casa; j no caso das meninas, o nico discurso observado, foi o de que auxiliam nas atividades domsticas. Os meninos, neste caso, possuem uma responsabilidade muito superior esperada para sua idade.

            Em relao s idades das crianas com sintomas depressivos, a maioria situa-se entre 7 e 8 anos, o que difere, em parte, das pesquisas na rea, denotando necessidade de maiores investigaes, ou at mesmo, sugerindo que a sintomatologia depressiva possa ocorrer mais cedo do observado at ento.

            Os principais sintomas depressivos observados na amostra total da escola pblica referem-se opo B de resposta e possui menor gravidade: sentimento de medo (Eu temo que coisas ruins me aconteam). Outro item com significativa frequncia foi o que se refere autoimagem (Minha aparncia tem alguns aspectos negativos). Destaca-se que alternativas como estas podem estar associadas a padres scioculturais. Atualmente, questes como violncia, principalmente nas grandes metrpoles, podem justificar, em parte, a resposta do medo; o culto ao corpo, temtica contempornea, pode ser desencadeador de respostas como aparncia com alguns aspectos negativos, e que no necessariamente, caracterizem a sintomatologia depressiva. As opes que tiveram menor frequncia foram Eu sinto vontade de chorar diariamente, Eu me odeio. S houve uma opo no respondida pelas crianas: Eu nunca fao o que me mandam.

            Em relao amostra total da escola privada, os principais sintomas depressivos tambm referem-se opo B: pessimismo (Eu no tenho certeza se as coisas daro certo para mim) e medo (Eu temo que coisas ruins me aconteam). As opes de menor frequncia foram Eu estou sempre triste, Eu me odeio, Eu sinto vontade de chorar diariamente e Eu no gosto de estar com as pessoas. Duas opes no obtiveram escolha: Eu nunca me divirto na escola e Ningum gosta de mim.

Os principais sintomas depressivos observados na escola pblica, dentre as crianas que ultrapassaram o ponto de corte, foram sintomas fsicos, relatados como cansao / fadiga (Eu estou sempre cansado), sentimentos de solido (Eu sempre me sinto sozinho), de tristeza (Eu estou sempre triste), perturbaes no sono (Eu tenho sempre dificuldade para dormir noite), pessimismo (Nada vai dar certo para mim), sentimentos de desvalia (Eu fao tudo errado), sentimento de culpa (Tudo de mau que acontece por minha culpa), e preocupao (Eu me sinto sempre preocupado). Os itens que no obtiveram nenhuma resposta foram: Eu sinto vontade de chorar diariamente, Eu sou feio, Eu nunca fao o que me mandam. Em relao alta frequncia das respostas sobre o cansao, durante a aplicao do inventrio, as crianas ao serem questionadas sobre tal resposta, em sua grande maioria, respondiam que se cansavam, pois trabalhavam com os pais, e no caso das meninas, porque tinham que limpar a casa. Nestes casos, pode no haver, necessariamente, ligao com a sintomatologia depressiva.

            Dentre as crianas da escola privada que ultrapassaram o ponto de corte, os principais sintomas depressivos foram sentimentos de desvalia (Eu fao tudo errado, Eu me odeio, Eu sou feio, Eu sou sempre mau (m), No posso ser to bom quanto outras crianas), desobedincia / rebeldia (Eu nunca fao o que me manda), pessimismo (Nada vai dar certo para mim, Eu tenho certeza que coisas terrveis me acontecero), anedonia (Nada divertido para mim), culpa (Tudo de mau que acontece por minha culpa), choro (Eu sinto vontade de chorar diariamente), sentimento de preocupao (Eu me sinto sempre preocupado), sentimento ambivalentes no que se refere ao estar s (Eu no gosto de estar com as pessoas, Eu sempre me sinto sozinho). Os itens que no obtiveram nenhuma resposta foram: Eu estou sempre triste, Eu estou sempre cansado, Eu nunca me divirto na escola, e Ningum gosta de mim.

            Os sintomas apresentados pelas crianas que ultrapassaram o ponto de corte conferem com a maioria dos sintomas descritos na pesquisa de Cruvinel23. A autora relata que os principais sintomas depressivos observados em sua pesquisa foram os de culpa, solido, tristeza, pessimismo e choro. Na presente pesquisa, a questo do choro s esteve presente nas crianas da escola privada, sendo que nas crianas da escola pblica, esta questo no foi mencionada. Nesse sentido, pode-se supor que estas crianas possuem maior dificuldade para expressarem suas emoes, o que pode justificar a alta frequncia da resposta sobre a tristeza; em contrapartida, nas crianas da escola particular, a questo do sentimento de tristeza foi pouco frequente.

            O sentimento de solido, que foi mencionado em ambas as escolas, pode ser associado ao prejuzo nas relaes interpessoais, caracterstico da sintomatologia depressiva. Andriola e Cavalcante25, explicam que crianas deprimidas tendem a serem socialmente passivas, pois acreditam que sero punidas ou rejeitadas se forem mais ativas.

Em relao s mdias obtidas na pontuao do CDI, o fato da mdia da escola pblica, somada ao seu desvio padro, conferir com o ponto de corte (16), e mdia da escola privada, mais o desvio padro (12,3), distanciar-se significativamente do ponto de corte, pode sugerir que, na amostra da escola pblica, as crianas com sintomas depressivos esto mais prximas realidade da amostra total, enquanto que as crianas com sintomas depressivos da escola privada, destoam acentuadamente da maioria das crianas da amostra geral.

            Quanto verificao estatstica desta pesquisa, os resultados foram semelhantes aos da pesquisa de Cruvinel23 no que se refere ao CDI e idade; em ambas as pesquisas no foram encontradas relaes significativas entre estas variveis. Isto sugere a necessidade de estudos mais amplos que possam assegurar tais resultados.

Na correlao estabelecida para verificar as possveis relaes da pontuao do CDI obtida entre as duas escolas, o resultado revela uma correlao direta muito fraca (r = 0,1), ou seja, de maneira geral as pontuaes elevadas ocorrem tanto na escola pblica como na escola privada. Apesar da mdia de pontos da escola pblica ser maior que a mdia apresentada na escola privada, tal diferena no se apresenta quantitativamente significativa, mas sim qualitativamente relevante. Tal fato deve-se ao fato de que, mesmo que a incidncia de sintomas depressivos tenha sido maior na escola pblica, as crianas com sintomas depressivos da escola privada obtiveram uma pontuao bastante elevada, o que contribui para a correlao ser direta. De maneira geral, no foram observadas correlaes significativas na pontuao do CDI entre as escolas.

            Na aplicao do CDI, observou-se que muitas crianas, especialmente as de 7 e 8 anos, apresentaram dificuldades na interpretao de alguns itens deste instrumento, exigindo que sua aplicao fosse individual. A dificuldade mais clara foi a de compreender o que significam os termos frequentemente, de vez em quando e ҈s vezes; as expresses normalmente, aspectos negativos, temo e diariamente tiveram que ser substitudas por substantivos de compreenso mais fcil. Golfeto et al.26, observaram em sua pesquisa semelhantes dificuldades de compreenso por parte das crianas, principalmente no que se refere s idades de 7 e 8 anos e aos termos frequentemente, de vez em quando e ҈s vezes.

            Pereira39, ao verificar a validade e a preciso da Escala de Avaliao de Depresso para Crianas, desenvolveu uma anlise semntica dos itens, constatando a necessidade de reformular alguns itens e a excluso de um item que foi considerado inadequado, pois as crianas estavam compreendo-o indevidamente. Os itens da escala utilizada pela autora possuem semelhanas com o CDI, e um dos itens que houve grande dificuldade de compreenso e que assemelha-se bastante ao item do CDI foi Eu me sinto sozinho, sendo reformulado para Eu me sinto abandonado.

            Para garantir maior credibilidade aos resultados da presente pesquisa, diante do que foi supracitado, vale ressaltar que a aplicao do CDI foi feita individualmente. Este procedimento, tambm favoreceu a captao de aspectos qualitativos da pesquisa.

 

CONSIDERAES FINAIS

 

            Existem poucas pesquisas destinadas compreenso da sintomatologia depressiva em crianas, como tambm instrumentos pouco adequados realidade brasileira. No Brasil no h um estudo epidemiolgico que fornea informaes mais precisas sobre a incidncia da depresso infantil.

importante salientar que o Inventrio de Depresso Infantil (CDI) verifica a presena da sintomatologia da depresso infantil, mas no a diagnostica. Mesmo sendo um inventrio frequentemente utilizado, verificou-se a necessidade de adaptaes mais precisas realidade brasileira.

Foram detectadas 15% de crianas com sintomas depressivos na escola pblica, e os principais sintomas observados foram os de fadiga, solido, tristeza, perturbao do sono, pessimismo, sentimento de menos valia, sentimento de culpa e preocupao. Na escola privada, h incidncia de 5% de crianas com sintomas depressivos, e os principais sintomas detectados foram sentimentos de menos valia, desobedincia / rebeldia, pessimismo, anedonia, culpa, choro, preocupao e solido. H diferenas sintomatolgicas apresentadas entres as escolas, principalmente a questo do choro e a da no obedincia. As crianas da escola privada reportam-se como sendo muito desobedientes, enquanto que as crianas da escola pblica nem mencionam este item. Este tema deve ser melhor investigado para generalizaes mais consistentes, assim como a questo do choro deve ser melhor investigada, como foi mencionado na discusso dos resultados.

Quanto diferena de incidncia de sintomas depressivos observados entre as escolas, faz-se necessrio investigaes mais amplas que possam abordar com mais preciso as interferncias scioeconmicas sobre a sintomatologia depressiva. Contudo, esta pesquisa aponta fortemente para fatores sociais como desencadeadores dos sintomas depressivos em crianas.

Fatores educacionais, relacionados diretamente a elementos scioculturais interferiram na aplicao literal do CDI, mostrando a necessidade de um aprimoramento do instrumento em seus procedimentos de aplicao.

              De maneira geral, este estudo demonstra, como j foi abordado em outras pesquisas, que os sintomas da depresso podem ser observados na infncia, como tambm aponta a necessidade de pesquisas que possibilitem um maior esclarecimento sobre a sua manifestao e sobre a probabilidade dos fatores sociais serem um dos desencadeadores da depresso. As pesquisas nesse sentido so fundamentais para os profissionais da rea e para os pais dessas crianas, uma vez que oferece maior possibilidade de reconhecimento precoce dos sintomas e, consequentemente, maior possibilidade de amenizao do quadro depressivo. Os sintomas depressivos, se ainda no oferecem dados suficientes para caracterizao de um quadro clnico, oferecem indcios de que a criana est sofrendo e que, se nada for feito, o quadro pode ser agravado, principalmente, com a chegada da adolescncia.

 

AGRADECIMENTOS

            Trabalho realizado com Apoio PIBIC – UnG.

 

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* Giovana Viveiros Fernandes - Graduada em Psicologia pela Universidade Guarulhos.

** Paulo Francisco de Castro - Professor orientador. Professor Adjunto do Curso de Psicologia da Universidade Guarulhos e Professor Assistente Doutor do Departamento de Psicologia da Universidade de Taubat. e-mail: pcastro@prof.ung.br



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