Colagem Homógena: Uma alternativa para a Reconstrução de Dentes Anteriores

COLAGEM HOMÓGENA COMO UMA ALTERNATIVA PARA A RECONSTRUÇÃO DE DENTES ANTERIORES - RELATO DE CASO CLÍNICO

 

HOMOGENEOUS COLLAGE AS AN ALTERNATIVE FOR RECONSTRUCTION OF ANTERIOR TEETH – CLINICAL CASE REPORT

Derossi CA*, Carvalho AS**, Lima-Arsati YBO***

 

RESUMO: O presente trabalho apresentou uma técnica alternativa, utilizando colagem de um fragmento dentário na restauração de um incisivo lateral superior com destruição total da coroa, a qual fraturou-se devido à fragilidade decorrente de prévias restaurações amplas e inadequadas. O fragmento foi obtido de um banco de dentes e adaptado em um modelo de trabalho, para após ser cimentado com cimento resinoso ao remanescente dentário, o qual foi previamente executado tratamento endodôntico adequado e reforçado com um pino de fibra de vidro. Pode-se observar o restabelecimento morfológico, funcional e estético do dente em questão.

PALAVRAS-CHAVE: banco de dentes. fragmentos de dentes. pino de fibra de vidro.

 

ABSTRACT: The present work presented an alternative technique, using collage of a dental fragment in the restoration of an incisor lateral superior with total destruction of the crown, which fractured due to the fragility due to previous wide and inadequate restorations. The fragment was obtained of a human teeth bank and adapted in a work model, for after being cemented with resinous cement to the dental remainder, which was previously executed endodontic treatment and reinforced with a fiberglass pin. The re-establishment morphologic, functional and aesthetic of the tooth can be observed in subject.

KEYWORDS: Human teeth bank. Dental fragments. Fiber glass post.


INTRODUÇÃO

 

A reconstrução de dentes anteriores extensamente destruídos tem se constituído em um verdadeiro desafio para dentística restauradora, pois sabe-se que os materiais dentários ainda não substituem efetivamente os tecidos dentais. Sendo assim, é fundamental que os profissionais da odontologia estejam atualizados sobre as diversas opções de materiais restauradores, bem como as novas técnicas disponíveis, estando preparados para solucionar os diversos desafios clínicos que surgem diariamente, durante o exercício da profissão1. A necessidade de reabilitar a função e estética dos pacientes é indiscutível, sendo oferecida várias alternativas2.

            Nos dias atuais, diversos materiais e técnicas são utilizados na reconstrução de dentes anteriores tais como: resinas compostas, porcelanas, restaurações metaloplásticas e metalocerâmicas3. Todos esses materiais alcançaram desenvolvimento e estabilidade, porém nenhum material preenche, em sua totalidade, requisitos que restabeleçam totalmente estética e funcionalidade, comparados à estrutura dental. Diante disso, a valorização do reaproveitamento de um dente, assume fundamental importância na recomposição anatômica das estruturas dentárias perdidas4,5.

            A evolução que sofreram os materiais dentários nestas últimas décadas, incluindo a técnica do condicionamento ácido por Buonocore6, permitiu o desenvolvimento da técnica de colagem de fragmento dental. A utilização do próprio dente como material de restauração, não deve ser em momento algum uma hipótese secundária, ao contrário, deveria ser sempre a primeira alternativa7.

            O primeiro trabalho abordando colagem de fragmentos dentários, utilizou a técnica do condicionamento ácido do esmalte e resina composta para a restauração de fraturas em dentes anteriores8. A colagem era feita com o próprio fragmento e os resultados estéticos eram amplamente encorajadores. A partir disso, audaciosamente, Gabrielli et al.9, passaram a utilizar fragmentos de dentes extraídos e armazenados em um banco de dentes, para recompor a estética perdida, fundamentalmente naqueles casos em que o paciente não encontrava a parte fraturada10.

            À medida que os preparos se tornam mais amplos, a resistência à fratura cai acentuadamente, assim, a utilização de fragmentos dentais como material restaurador pode ser uma opção viável para inúmeros pacientes, principalmente ao observar-se o custo/benefício11,12. A colagem de dentes é uma opção não só para restaurar os dentes em situações complexas, mas principalmente para evitar inúmeras extrações desnecessárias. Não se encontram na literatura muitos relatos de caso a respeito dessa técnica restauradora em dentes permanentes, mas é uma alternativa já consagrada para restauração de dentes anteriores fraturados.

            A tentativa de colar dentes extraídos não é recente, muitos autores têm lançado mão da técnica de colagem com fragmento dental, com grande sucesso, principalmente com relação à qualidade do esmalte, lisura superficial, pouca quantidade de resina exposta ao meio bucal e resistência ao desgaste1,9,11,13.

Busato descreve a técnica de utilização de dentes humanos provenientes de banco de dentes em restaurações extensas, enfatizando a maior resistência do dente restaurado com fragmento dentário, quando comparado com uma restauração somente com resina composta11.

Baratieri et al. cita vantagens da colagem com fragmento dental em comparação com restaurações com compósitos ou porcelanas, como, estéticas melhor e mais duradouras, simples e rápidas, a função é mais facilmente restabelecida e mantida, uma vez que a guia anterior será mantida em estrutura dental12.

A técnica de colagem homógena, além de conservadora, simples, de baixo custo, quando comparada a técnicas indiretas, é altamente favorável quanto à estética e resistência3.

Sendo assim, o objetivo do presente trabalho foi mostrar uma alternativa na reconstrução de dentes anteriores amplamente destruídos, utilizando fragmentos de dentes proveniente de um banco de dentes.


RELATO DO CASO CLÍNICO

            Paciente, 32 anos, sexo feminino, procurou a clínica da Faculdade de Odontologia da UNIPLAC, para avaliação das necessidades de tratamento odontológico. Após execução dos exames clínicos e radiográficos, constatou-se destruição coronária do elemento 22, que apresentava tratamento endodôntico bastante deficiente (Figura 1).

FIGURA 1: Aspecto clínico inicial de paciente com o dente 22 fraturado.

 

                  Explicou-se a paciente a possibilidade de solução para este dente pela colagem de um fragmento dental, proveniente de um banco de dentes. Com a aceitação do tratamento pela paciente, executou-se o retratamento endodôntico do elemento 22 e após iniciou-se com o preparo do remanescente dentário, com remoção de todo tecido cariado e regularização das paredes cavitárias, observando que o preparo estava a nível supragengival em toda sua extensão. Executou-se uma moldagem de toda região para posterior confecção de um modelo de gesso, para selecionar um fragmento com base neste modelo, onde o dente selecionado foi seccionado com ponta diamantada e adaptado ao modelo (Figuras 2 e 3).

 

 

FIGURA 2: Secção do dente proveniente do banco de dentes.

 

FIGURA 3: Adaptação do fragmento no modelo de gesso.

 

            O dente selecionado no banco de dentes estava estéril (autoclavado) e armazenado a seco. Na sessão seguinte executou-se a colagem propriamente dita, na qual o fragmento foi testado na boca da paciente. Com base na radiografia do dente (Figura 4) foi feita a seleção de um pino de fibra de vidro para cimentação no remanescente dentário, com finalidade de aumentar a resistência e retenção (Figura 5).

 

FIGURA 4: Seleção do pino de fibra de vidro.

 

FIGURA 5: Pino de fibra de vidro cimentado.

 

            Em seguida foi feita a ampliação da câmara pulpar do fragmento para conseguir a adaptação no pino de fibra já cimentado (Figura 6), após executou-se todo procedimento adesivo no fragmento para posterior cimentação no remanescente dentário (Figuras 7 e 8), com cimento resinoso Rely X (3M-ESPE, Figura 9).

 

 

FIGURA 6: Ampliação da câmara pulpar do dente.

 

FIGURA 7: Hibridização do fragmento.

 

 

FIGURA 8: Fragmento cimentado.

 

FIGURA 9: Cimento resinoso utilizado.

 

            Depois de feita a cimentação foi executado um desgaste em toda porção vestibular na altura da linha de união do fragmento e remanescente dental, com uma ponta diamantada (Figura 10), com a finalidade de acrescentar resina composta (cor selecionada anteriormente ao isolamento absoluto do campo operatório) nesta região, para mascar a linha de união entre o fragmento e o remanescente dentário (Figura 11).

 

FIGURA 10: Confecção canaleta vestibular.

 

 

 

FIGURA 11: Aplicação da resina na região de união fragmento/remanescente.

 

            Após procedeu-se todo o acabamento, com remoção dos excessos, polimento e alisamento, com pontas de acabamento, tiras de lixas, discos e taças de borrachas (Figuras 12 e 13), com checagem detalhada de toda oclusão e ponto de contato do trabalho (Figura 14). Como mostra a Figura 15, com o fragmento cimentado, observa-se um resultado bastante satisfatório, em que restabeleceu-se todo elemento dentário perdido, devolvendo funcionalidade e estética para esta paciente.

 

FIGURA 12: Acabamento com ponta diamantada.

 

 

 

FIGURA 13. Acabamento e polimento.

 

FIGURA 14: Aspecto após acabamento/polimento, análise ponto de contato.

 

FIGURA 15: Aspecto clínico final.

 

            Resultado este comprovado na Figura 16, com acompanhamento de 1 ano, demonstrando o sucesso da técnica e satisfação do paciente com o resultado obtido.

 

FIGURA 16: Aspecto clínico após 1 ano.

 

DISCUSSÃO

 

            Com a possibilidade de formação de bancos de dentes e com as características adesivas dos materiais restauradores, tornou-se possível a reabilitação de dentes extensamente destruídos com a utilização de fragmentos dentários. Alternativas restauradoras são importantes para que nossos pacientes disponham de opções clínicas de qualidade, à medida que as restaurações se tornem imprescindíveis4.

            A realização de restaurações através de colagem de fragmentos ou elementos dentários representa mais uma opção clínica para a reconstrução de dentes permanentes. A colagem homógena de dentes anteriores pode ser realizada em sessão única, pois dispensa fases laboratoriais5. Principalmente para aqueles profissionais que adquirirem habilidade para adaptar os fragmentos diretamente na boca do paciente10.

            A técnica consiste no emprego de resinas compostas, cimentos resinosos, sistemas adesivos dentinários e fundamentalmente de um banco de dentes, bem como, domínio correto da técnica adesiva. Realiza-se a colagem após autorização do paciente ou responsável, que deve ser informado do procedimento clínico, origem do fragmento e de todo preparo prévio à colagem, que consiste da limpeza, desinfecção e esterilização em autoclave à 121ºC por 40 minutos, o que garante a segurança biológica dos procedimentos10.

            A utilização de pino em fibra de vidro é fundamental para aumentarmos a resistência e retenção do fragmento dentário ao remanescente do dente, fornecendo maior segurança ao tratamento de colagem. Dentre as inúmeras vantagens da utilização de fragmentos dentários cita-se: a guia anterior será em dente, estética superior, procedimento simples e rápido e fator psicológico positivo para o paciente12.

            O trabalho de colagem homógena é uma técnica simples e relativamente fácil de ser executada, permitindo uma melhor reconstrução dos contornos dentais, com um mínimo de material restaurador, devolvendo ao dente suas funções no arco mastigatório, com excelente estética e preservando o máximo possível de estrutura dental. Como dificuldades encontradas citamos: seleção de dentes ou fragmentos, principalmente nos casos de destruição parcial da coroa dentária , adaptação da cor inicial e a recusa de alguns pacientes, por acharem estranha a colocação de um dente de outra pessoa. Porém a técnica de colagem homógena constitui-se em uma opção a mais para restaurarmos biologicamente dentes com destruição extensas, não como sendo a melhor, no entanto a mais biológica3,4,10,14.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O procedimento indicado mostrou-se de fácil execução com um tempo de trabalho bastante satisfatório, além de resultados clínicos excelentes, desde que observados todos os itens do protocolo clínico  e uma correta indicação para realização da colagem homógena.


REFERÊNCIAS

 

1. Cândido MSM. Recuperação estética através da colagem heterógena corono-radicular, faceta e recontorno. J Bras Clin Estet Odonto. 1999;3(15):29-33.

2. Zanuto JR. Reconstrução biológica da coroa dental. Rev Gaucha Odontol. 1999 Abr/Jun;42:92-4.

3. Konzen V, Busato ALS. Coroa total com dente natural extraído. Rev Gaucha Odontol. 1990 Maio/Jun;38(3):195-206.

4. Busato ALS. Restaurações biológicas da odontopediatria ao paciente adulto. Âmbito Odontológico. 1996;4:20-1.

5. Costa NO. Colagem homógena em dentes permanentes. Rev Gaucha Odontol. 2001 Jul/Set; 43(3):151-4.

6. Buonocore MG. A simple method of increasing the adhesion of acrylic filling material to enamel surfaces. J Dent Res. 1955;34:849-53.

7. Tenery TN. The fractured tooth reunited using the acid etch bonding techniques. J Dent Texas. 1978;16:16-7.

8. Chosack A, Eidelman E. Reabilitation of fractured incisor usin the patients natural crowns. Case report. J Dent Child. 1964 Jan/Mar;31:19-21.

9. Gabrielli F, Dinelli W, Fontana UF, Porto CLA. Apresentação e avaliação clínica de uma técnica de restauração, de dentes anteriores, com fragmentos adaptados de dentes extraídos. Rev Gaucha Odontol. 1981 Abr/Jun; 29:83-7.

10. Imparato JCP. Restaurações biológicas em dentes decíduos – Colagem de fragmentos de dentes naturais. Rev Odontop na Primeira Infância. 1998;463-72.

11. Busato ALS, Antunes M. Colagem heterógena em dentes anteriores fraturados. Rev Gaúcha Odont. 1984;32(2):137-40.

12. Baratieri LN. Abordagem restauradora de Dentes Tratados Endodonticamente- Pinos/Núcleos e Restaurações Unitárias. Baratieri LN, Monteiro Junior S, Andrada MAC, Vieira LCC, Cardoso AC. Odontologia Restauradora - Fundamentos e Possibilidades. São Paulo: Santos; 2001.

13. Esberard RM. Caso Clínico. Fratura coronária em dente anterior. Rev Gaúcha Odont. 1978;32:120-33.

14. Pozzobon RT, Bandeira MFCL, Castro SL. Overlay natural: uma opção restauradora através de colagem de fragmento dental. J Bras Clin Estet Odont. 2000;4(19):63-8.



* Mestre em Dentística pela Faculdade de Odontologia e Centro de Pós-Graduação São Leopoldo Mandic,   Campinas-SP; Professor de Dentística da Uniplac, Lages, SC.

** Professora de Materiais Dentários da Faculdade de Pindamonhangaba, Pindamonhangaba, SP.

*** Professora de Bioquímica e Cariologia da Faculdade de Odontologia e Centro de Pós-Graduação São Leopoldo Mandic, Campinas, SP (ynaralima@yahoo.com)

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