RELAÇÕES DE RISCO ENTRE DIABETES MELLITUS E DOENÇA PERIODONTAL

RELAÇÕES DE RISCO ENTRE DIABETES MELLITUS E DOENÇA PERIODONTAL

RISK RELATIONS BETWEEN PERIODONTAL DISEASES AND DIABETES MELLITUS

 

Barbosa FI*, Caixeta ACP**, Soares RV***, Zenóbio EG****

 

 

RESUMO: O Diabetes Mellitus é um distúrbio endócrino que pode influenciar o curso da doença periodontal, aumentando sua gravidade. Sabe-se também que, assim como outras infecções e processos inflamatórios, a doença periodontal pode ter influência sobre o controle metabólico do diabetes. O objetivo deste estudo é, por meio da revista de literatura, aumentar a compreensão das relações existentes entre estas patologias.

 

PALAVRAS-CHAVE: Doença periodontal. Diabetes mellitus. Controle metabólico

 

ABSTRACT: Diabetes mellitus is an endocrine disturb that could influence the course of periodontal disease increasing its severity. It is well known that like other inflammatory and chronic infections, periodontal disease could also influence the metabolic control of diabetes.  The objective of this study is to perform a literature review to enhance the comprehension of the relationship between these pathologies.

 

KEYWORDS: Periodontal diseases, Diabetes mellitus, Metabolic control

 

 

INTRODUÇÃO

A doença periodontal tem como fator determinante a placa bacteriana, podendo o seu curso ser alterado por fatores sistêmicos, como o diabetes mellitus, que podem elevar o risco de desenvolvimento e a gravidade da doença1.

De acordo com Tramontina et al. (1997)2, o diabetes apresenta usualmente um início precoce e/ou súbito. E esta doença pode ser caracterizada pela insuficiência ou ausência na secreção de insulina, com necessidade de controle da dieta e de complementação com insulina exógena (Diabetes Mellitus Insulino Dependente – DMID ­– Tipo I). Ou por uma baixa resposta dos tecidos à insulina circulante, usualmente ocorrendo em indivíduos de meia-idade e obesos, com necessidade de controle da dieta e do uso de hipoglicemiantes orais (Diabetes Mellitus Não Insulino Dependente – DMNID – Tipo II). O Diabetes Mellitus interfere no metabolismo de carboidratos, levando a um quadro de debilidade do organismo, a alterações vasculares, disfunção de neutrófilos e metabolismo anormal do colágeno3.

A etiologia do diabetes está associada a fatores genéticos em ambas as formas, sendo que o DMID está relacionado a fatores auto-imunes, sendo observada uma insulite, causada pela infiltração linfocítica das ilhotas pancreáticas, local onde é produzida e secretada a insulina, e também a fatores ambientais como infecções viróticas que são observadas em determinadas populações. O DMNID também está consistentemente relacionado com a obesidade, tipo de alimentação e idade do indivíduo4.

No contexto atual da periodontia, ou seja, avaliando o indivíduo numa abrangência sistêmica, cada vez mais o diabetes vem sendo relacionado com o risco de desenvolvimento e a gravidade da doença periodontal, demandando grande número de estudos que visam elucidar o mecanismo de ação da doença sobre o periodonto e da condição periodontal sobre o status do diabetes3,5-9.

O objetivo deste estudo é, por meio da revista de literatura, buscar informações que aumentem a compreensão da relação causa e efeito do Diabetes Mellitus sobre os tecidos periodontais, assim como sobre as possíveis alterações decorrentes da doença periodontal no controle metabólico dos indivíduos diabéticos.

 

REVISÃO DA LITERATURA

Influência do Diabetes Mellitus sobre o periodonto

De acordo com Oliver & Tervonen (1994)1 a maior causa das alterações vasculares é a prolongada exposição à hiperglicemia que é resultante de alterações na membrana basal dos vasos. Esse fato está relacionado com a duração do diabetes e o seu controle metabólico. Neste contexto, foi relatado que o diabetes, no seu processo de evolução, leva a obstrução dos capilares, acarretando um quadro de microangiopatia, que nos tecidos bucais determina uma microangeíte diabética pela diminuição do aporte sanguíneo no local10. Um estudo prévio revelou que nos diabéticos há maior probabilidade, de cerca de duas a três vezes, do desenvolvimento de doença periodontal, devido às mudanças vasculares, falta de oxigenação adequada, renovação metabólica comprometida, disfunção de leucócitos polimorfonucleares, alterações imunológicas e metabólicas no tecido conjuntivo11.

McMullen et al. (1981)12 observaram que há uma maior deficiência na quimiotaxia em indivíduos com predisposição genética ao diabetes. Segundo Oliver & Tervonen (1994)1 os defeitos na função de polimorfonucleares são considerados uma causa potencial de infecção bacteriana nos indivíduos diabéticos, sendo observada diminuição da quimiotaxia, aderência e fagocitose nestes indivíduos. Em contraposição a isso, Tramontina et al. (1997)2 afirmaram que alguns pacientes diabéticos não apresentam defeitos na resposta neutrofílica, sendo relatados em alguns casos a superatividade de polimorfonucleares.

O diabetes também está relacionado com uma diminuição na síntese do colágeno, depressão no crescimento e proliferação de fibroblastos, redução na síntese de matriz óssea, aumento no nível da colagenase gengival e da degradação do colágeno recém formado1,13. Esta alteração no metabolismo do colágeno está relacionada, segundo Gregori et al. (1999)10, com a síntese prévia ao colágeno de ácido hialurônico, que é catalisada pela insulina.

Os portadores de diabetes são predispostos à doença periodontal e esta doença é considerada a sexta complicação do diabetes. Acredita-se que o controle metabólico do diabetes e sua duração também têm influência sobre o desenvolvimento da doença periodontal, o que está associado com a exposição prolongada à hiperglicemia. Salvi et al. (1997)15 relatam que a gravidade da doença periodontal está relacionada com o tempo do diabetes, e Seppälä e Ainamo (1994)9 relacionam o controle metabólico como fator de predisposição à ocorrência e gravidade da doença. Portanto, baseado nos estudos descritos acima podemos verificar em diabéticos a ocorrência de:

a) Diminuição do aporte sanguíneo, reduzindo a difusão de oxigênio e migração de leucócitos, e aumentando o risco de infecções;

b) Processo cicatricial mais lento;

c) Maior risco de infecções devido aos danos na resposta do hospedeiro (disfunção de polimorfonucleares).

 

Alterações Periodontais em Decorrência do Diabetes Mellitus

Algumas observações clínicas em relação à perda de inserção clínica, profundidade de sondagem, perda óssea alveolar, perda dentária e inflamação gengival são descritas em pacientes diabéticos. Tervonen & Oliver (1993)16 encontraram maior prevalência e gravidade de perda de inserção com a diminuição do controle metabólico do diabetes. Os mesmos pesquisadores descreveram que a perda de inserção ocorre com maior freqüência e extensão em pacientes com pobre controle, estando esta também associada também à extensão de cálculo encontrada1. Firatli (1997)17, acompanhando por cinco anos pacientes diabéticos, descreveu achados similares tendo em vista que os pacientes avaliados exibiam diferenças significativas em relação à perda de inserção quando comparados aos não diabéticos. No entanto, Seppälä & Ainamo (1994)9 não encontraram diferenças na porcentagem de perda de inserção em pacientes com pobre controle e os controlados, acompanhados por dois anos.

Em relação à profundidade de sondagem, Oliver & Tevonen (1993)20 encontraram que a porcentagem de bolsas periodontais superiores a 4 mm é maior em diabéticos em relação a não diabéticos. Thorstensson & Hugoson (1993)18 demonstraram que a longa duração do diabetes está relacionada com maiores profundidades de sondagem, e Oliver & Tervonen (1994)1 relataram um desenvolvimento precoce de bolsas periodontais em diabéticos.

A perda óssea alveolar também pode ser influenciada pelo diabetes. Emrich et al. (1991)19 estudaram a perda óssea em índios PIMA diabéticos e não diabéticos, constatando que esta era três vezes maior em diabéticos, e estava diretamente relacionada ao controle metabólico da doença. Seppälä & Ainamo (1994)9, por meio da análise por subtração de radiografias panorâmicas, encontraram diferenças significativas nos padrões de perda óssea alveolar em diabéticos controlados e com pobre controle.

No que diz respeito à perda dental, Oliver & Tervonen (1993)16 relataram que a mesma é equivalente a indivíduos normais e diabéticos da mesma idade. Entretanto encontraram maior perda dentária em um grupo de pacientes com pobre controle do diabetes comparados a pacientes bem controlados, sendo esta relação confirmada posteriormente pelos achados de Seppälä & Ainamo (1994)9.

Segundo a Academia Americana de Periodontologia (1996)21, a inflamação gengival é mais grave em diabéticos e sua gravidade, mais uma vez, está relacionada ao controle metabólico da doença. No entanto, Firatli (1997)17 não observou relação significativa entre o índice gengival e o Diabetes Mellitus, nem mesmo em relação à duração da doença.

 

Efeito da Terapia Periodontal no Controle Metabólico do Diabetes Mellitus

A grande maioria das evidências descritas relata que o Diabetes Mellitus pode alterar o curso e a progressão da doença periodontal, principalmente nos casos de ausência do controle metabólico, onde as respostas do periodonto se apresentam mais graves9. Da mesma forma, a doença periodontal, assim como outras infecções, pode exercer influência sobre o controle metabólico do Diabetes Mellitus, agravando ainda mais o quadro sistêmico5,6,15,20.

Assim sendo, estudos vêm sendo conduzidos para demonstrar a influência da terapia periodontal sobre o controle metabólico do diabetes, sendo encontrados alguns resultados positivos comprovados pela redução nos níveis de hemoglobina glicosilada (HbA1c).

Miller et al. (1992)23 demonstraram a associação da melhora periodontal e do controle metabólico do diabetes por meio da terapia periodontal com raspagem e alisamento radicular, antibiótico sistêmico e bochechos com clorexidina. Porém, de acordo com Aldridge et al. (1995)24, a redução da inflamação periodontal não tem efeito significante no controle metabólico de indivíduos com bom controle do diabetes.

Salvi et al. (1997)15 afirmam que, com a redução da infecção bucal pode haver uma redução nos níveis de HbA1c e uma melhora no controle metabólico do diabetes. Grossi et al. (1997)7 estudando índios PIMA (DMNID) com doença periodontal grave encontraram uma redução de 10% nos níveis de HbA1c com o uso de raspagem ultra-sônica, antimicrobiano tópico e antibiótico sistêmico (Doxiciclina 100 mg, 1 cápsula ao dia por 14 dias).

Grossi & Genco (1998)6 concluíram que o efeito da terapia periodontal sobre o controle metabólico do diabetes depende do tipo de terapia, sendo que o uso de uma terapia mecânica associada a antibióticos sistêmicos melhora o controle metabólico do diabetes, reduzindo o nível de hemoglobina glicosilada (HbA1c) ou a necessidade de insulina.

 

CONCLUSÃO

Alterações decorrentes do diabetes, como disfunção de polimorfonucleares, metabolismo anormal do colágeno e mudanças vasculares, atuam no desenvolvimento e na gravidade da doença periodontal. A duração do diabetes e o controle metabólico podem influir na gravidade da doença periodontal. O tratamento da doença periodontal em diabéticos parece ser importante coadjuvante no controle do diabetes, principalmente em indivíduos com pobre controle metabólico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS

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2. Tramontina RG, Lotufo RFM, Micheli G, Kon S. Diabetes: um fator de risco para doença periodontal. Quando? Rev Gauch Odontol. 1997;45:50-4.

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9. Seppälä B, Ainamo J. A site-by-site follow-up study on the effect of controlled versus poorly controlled insulin-dependent diabetes mellitus. J Clin Periodontol. 1994;21:162-5.

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* Professora de Periodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de Itaúna

** Aluna do Curso de Graduação da FO-PUC Minas

*** Coordenador de Periodontia do Programa de Mestrado em Clínicas Odontológicas da FO-PUC Minas

**** Coordenador de Implantodontia do Programa de Mestrado Profissionalizantes da FO-PUC Minas

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