O ENSINO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL: A
VISÃO DOS DISCENTES
TEACHING OF NURSING IN
MENTAL HEALTH: THE POINT-OF-VIEW OF STUDENTS
LA ENSEÑANZA DE
ENFERMERÍA EN SALUD MENTAL: LA VISIÓN DE LOS ESTUDIANTES
Silva FLT*, Silva GRF**, Macêdo-Costa KNF***,
Barbosa GOL****
RESUMO: Este estudo tem como objetivo caracterizar
o ensino de enfermagem em saúde mental sob a ótica dos discentes. O estudo
qualitativo foi realizado em fevereiro/2008, em uma cidade do Ceará, com 15
discentes de enfermagem do último período de uma universidade pública.
Utilizou-se instrumento preenchido pelo próprio discente, na presença do
pesquisador. As respostas foram apresentadas e discutidas segundo literatura
pertinente. Percebe-se que os conceitos produzidos histórica e socialmente sobre
a saúde mental/psiquiátrica continuam a existir mesmo depois da reforma
psiquiátrica e de tantas outras ações contra segregação. A identidade do
enfermeiro, advinda do modelo biomédico, leva o discente a concluir sua
graduação com uma visão bastante reduzida das competências do enfermeiro no
âmbito da saúde mental. Verificou-se também que a enfermagem enquanto profissão
encontra-se em transição, os discentes reforçaram a importância de trabalhar o
tema saúde mental. Os discentes ainda atuam baseado no modelo curativo, porém
percebeu-se que o olhar para a temática oscila entre a insegurança e a vontade
de inovar. Existe uma necessidade de ampliação das reflexões sobre o ensino da
saúde mental, com vista à inclusão social e melhoria na assistência a essas pessoas.
PALAVRAS-CHAVE:
Ensino. Enfermagem. Saúde mental.
ABSTRACT: This study aims to characterize the teaching of
mental health nursing from the perspective of students. The qualitative study
was conducted in february/2008 in a city in Ceará,
with 15 nursing students of the last period of a public university. We used the
instrument filled out by the student, in the presence of the researcher. The
responses were presented and discussed according to literature. We can see that
the concepts produced historically and socially on the mental health /
psychiatric continue to exist even after the psychiatric reform and many other
actions against segregation. The identity of the nurse, came from the
biomedical model, takes the student to complete her/his degree with a rather
low skills of nurses in mental health. It was also verified that the nursing as
a profession is in transition, the students stressed the importance of working
the mental health theme. The students still working on the curative model, but
it was felt that the look at the issue is between insecurity and the desire to
innovate. There is a necessity to increase the reflections on the teaching of
mental health to include social and improved care for these people.
KEYWORDS: Teaching. Nursing. Mental health.
RESUMEN: Este estudio tiene como objetivo caracterizar la
enseñanza de la enfermería en salud mental desde la perspectiva de los
estudiantes. El estudio cualitativo se llevó a cabo en febrero/2008 en una
ciudad de Ceará, con 15 estudiantes de enfermería de la última etapa de una
universidad pública. Hemos utilizado el instrumento de llenado por el
estudiante, en la presencia del investigador. Las respuestas fueron presentadas
y la literatura según debate. Podemos ver que los conceptos producidos históricamente
y socialmente en la salud mental y psiquiátrica, seguirán existiendo incluso
después de la reforma psiquiátrica y muchas otras acciones contra la
segregación. La identidad de la enfermera, vino de la modelo biomédico, lleva
al estudiante a completar sus estudios con una capacidad más baja de las
enfermeras en salud mental. Había también que la enfermería como profesión está
en transición, los estudiantes destacaron la importancia de trabajar el tema de
la salud mental. Los alumnos siguen trabajando en el modelo curativo, pero se
consideró que el aspecto de la cuestión es entre la inseguridad y el deseo de
innovar. Hay una necesidad de aumentar las reflexiones sobre la enseñanza de la
salud mental a fin de incluir la atención social y la mejora de estas personas.
PALABRAS-CHAVE: Enseñanza. Enfermería. Salud mental.
INTRODUÇÃO
Durante a reformulação das instituições asilares, a enfermagem
representou papel importante relacionado ao acolhimento e organização desses
espaços. Devido as necessidades pertinentes ao processo da medicina social
moderna, cria-se a primeira escola de enfermagem ligada ao hospital nacional de
alienados, que tinha entre seus principais objetivos a preparação de pessoal
para a assistência do paciente em sofrimento mental1.
A partir de 1950, as escolas de enfermagem reformularam seus programas
curriculares, dando ênfase à saúde mental. Os profissionais assumiram novos
papéis, levando o enfermeiro a rever sua atuação terapêutica com procedimentos
repressores. Na década de 60, a expansão dos centros de saúde mental
comunitários levou estes profissionais a vivenciarem novas experiências em
ambulatórios, centros de saúde mental e hospitais gerais2.
O momento atual do trabalho de enfermagem nessa área caracteriza-se pela
transição de uma prática hospitalocêntrica, representada pela medicalização e
contenção para a incorporação de novas condutas, as quais deverão gerar conduta
interdisciplinar, aberta às contingências dos sujeitos envolvidos, superando a
perspectiva disciplinar de suas ações. É, portanto, período crítico para a
profissão e favorável para o conhecimento e análise do processo de trabalho
nessa área1,2.
No Ceará, o ensino de enfermagem nessa área especifica do conhecimento,
tem ainda por base o saber médico, sendo que sua prática dá-se,
predominantemente, no ambiente hospitalar. Ao mesmo tempo em que o saber médico
se constitui como hegemônico, ele também é assimilado e se reproduz de modo
conflitante, constituindo-se a legitimação de um processo de
exclusão/segregação3.
Ao longo dos anos, o ensino da saúde mental também sofreu avanços e
recuos, com modificações em diversos momentos históricos, relacionados com seus
determinantes econômicos, políticos e ideológicos4.
Na década de 40 e 50, com a Reforma Curricular (Lei nº 774/49), a
enfermagem em saúde mental foi introduzida como disciplina obrigatória nos
cursos de graduação. O conteúdo programático tinha suporte teórico nos aspectos
clínicos como a explicação dos distúrbios psíquicos, e no hospital o centro das
suas ações. O novo saber, oriundo das teorias psicológicas, soma-se ao anterior
com base organicista, de compreensão da doença mental dentro da racionalidade
causa-efeito3,4.
Com o desenvolvimento da teoria psicanalítica de Freud e de novas
teorias psicológicas (década de 50), as escolas procuraram incorporar os
aspectos clínicos a abordagem dos aspectos psicológicos do comportamento
humano. Entretanto, a assistência parece continuar centrada no hospital, ligada
ao biológico e individual. O enfoque desse ensino passa a idéia de “eliminação”
da irracionalidade, por meio de ações de vigilância/confinamento. Embora a
institucionalização do ensino de enfermagem tenha surgido ligada à psiquiatria
e ao hospital psiquiátrico, somente no currículo de enfermagem de 1949,
reconhece-se a obrigatoriedade da disciplina enfermagem em saúde mental, sendo
que seu conteúdo teórico-prático não era de responsabilidade do enfermeiro4.
O trabalho de enfermagem em saúde mental foi marcado historicamente pelo
processo político disciplinador de sujeitos e de comunidades, no qual as
práticas eram coadjuvantes desse processo. Entretanto, essa potencialidade
estará diretamente relacionada ao grau de consciência desses trabalhadores,
pois, enquanto sujeito da ação inserido em um contexto humanitário, social e
político, o enfermeiro está apto para eleger instrumentos que visem o resgate
dessa mesma condição de sujeito-cidadão às pessoas em sofrimento mental. Quanto
menos consciente de sua condição de sujeito social e de cidadão, mais o
enfermeiro estará operando no antigo modelo disciplinar e mais subordinada e
coadjuvante será a sua atuação nas intervenções desse modelo1,3.
Dessa forma, a saúde mental é
muito relevante na formação do Enfermeiro, tanto no âmbito comunitário quanto
hospitalar. Acredita-se que a abordagem centrada na promoção da saúde mental, e
não apenas nas doenças psíquicas, vislumbre as competências dos enfermeiros
nessa área do conhecimento. Estudos dessa natureza poderão direcionar mudanças
no ensino e na assistência de enfermagem, para atender a nova demanda do
mercado. Assim, objetivou-se: caracterizar
o ensino de enfermagem em saúde mental sob a ótica dos discentes.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo
qualitativo, que não tem a pretensão de generalizar seus resultados, ou seja,
apresenta enfoque no universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes. Corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis5,6.
Foi
realizado em fevereiro de 2008, em uma universidade pública, localizada no
Ceará, tendo como universo os acadêmicos do curso de Enfermagem do último
período. Os sujeitos foram quinze discentes matriculados que haviam cursado
todas as disciplinas da matriz curricular dessa instituição, relacionadas à
temática, a saber: saúde mental (60h); enfermagem psiquiátrica (90h);
psicologia aplicada à enfermagem (60h).
A turma era composta por 35
discentes, porém a participação de todos foi inviável durante o prazo
pré-estabelecido para coleta, pois a maioria encontrava-se em outros municípios
circunvizinhos realizando estágios e outras atividades acadêmicas. Todos os
quinze que se encontraram na cidade durante a coleta aceitaram participar.
Como instrumento para coleta de
dados, utilizou-se um questionário, com perguntas estruturadas abertas e
fechadas. Esse foi elaborado com base nas leituras de artigos sobre a temática,
no qual foi validado previamente com a participação de outros dois docentes e
pretestado para sua adequação. Após o aceite dos discentes com assinatura do
Termo de Consentimento Livre Esclarecido, o questionário foi respondido à punho
por cada um, na presença do pesquisador. Essa conduta foi tomada haja vista o
número restrito de sujeitos, fazendo com que os quinzes presentes na cidade
participassem efetivamente, com o preenchimento correto do instrumento e
esclarecimento de eventuais dúvidas. A análise se deu de forma descritiva, no
qual as principais falas foram agrupadas, segundo categorias de Bardin e discutidas segundo a literatura pertinente.
Em
relação aos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, foram
adotadas as recomendações do Ministério da Saúde, na Resolução nº 196/96, de 10
de outubro de 19967 (No 011/08). Para garantir o
anonimato, os sujeitos foram identificados por números arábicos.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise das falas está
apresentada nas seguintes categorias encontradas: conhecimento sobre saúde
mental; visão sobre os campos de prática (Centro de Apoio Psicossocial –
CAPS e Hospital Psiquiátrico), e visão dos discentes sobre o ensino da saúde
mental.
Categoria: Conhecimento sobre saúde mental
Relacionados ao conhecimento
sobre saúde mental, a visão dos discentes é descrita abaixo por meio das
respostas mais significativas:
“Saúde da mente – um ser psicologicamente sadio, com uma percepção
adequada da realidade, capaz de aceitar os fenômenos negativos, capaz de
estabelecer relações interpessoais satisfatórias, ou seja, saúde mental pra mim
é um estado dinâmico entre comportamento e sentimentos que são apropriados para
idade e congruentes com normas e cultura.” (Discente 4)
“Equilíbrio psicossocial, uma
vez que não se pode conviver em uma sociedade sem ter uma estabilidade
emocional e social.” (Discente 7)
Pelas frases identifica-se haver
compreensão da teorização na abordagem da saúde mental. Todos em alguns
momentos dos seus discursos relatam de forma sutil a diferença existente entre
as patologias psiquiátricas e a abordagem da saúde mental. Apesar de muitos
anos terem decorrido, desde sua implementação no curso de enfermagem, nas
cidades menores a temática refuta quase sempre para a figura do louco.
Em pesquisa com estudantes,
diversas concepções acerca da loucura, várias formas de concebê-la quer como
doença, quer como degeneração do ser humano, ausência de lucidez ou de
conhecimento da verdade do doente mental, tanto num caso como no outro, o
doente mental se encontra excluído do universo comum dos mortais8.
Há ainda idéias que fogem da
abordagem acima, uma saúde mental ligada ao transtorno mental em si como se
identificam nos recortes:
“Se trata de uma deficiência no cérebro que pode ser de origem genética
ou adquirida.” (Discente 1)
“Que saúde mental significa
um tratamento específico para quem tem algum transtorno mental diagnosticado.”
(Discente 2)
“Que é um tipo de tratamento para pessoas doentes mentais ou
depressivas.” (Discente 10)
“Como um transtorno psicológico o qual o ser humano acarreta devido
algum trauma de infância, ou rejeição de familiares ou alguém querido, etc.”
(Discente 11)
O imaginário construído acerca
dos transtornos mentais é constituído de representações pautadas em
distanciamento, exclusão, periculosidade, intolerância, conceitos esses que
influenciam condutas e determinam a assistência prestada nessa área9.
Desde a formação acadêmica,
essas reflexões necessitam serem colocadas em pauta, inserindo os vários
seguimentos da sociedade. Visto que o profissional na abordagem da saúde
mental, geralmente a relaciona apenas aos transtornos, como a depressão,
descrita pelo discente 10. A todo instante o enfermeiro pode promover a saúde
mental, a saber: nas ações de prevenção do abuso de drogas licitas e ilícitas;
ao refletir sobre a influência familiar nos diagnósticos de doenças crônicas e
degenerativas; ao realizar visitas domiciliares a idosos, entre outras.
Categoria: Visão sobre os campos de prática
As frases abaixo sintetizam a
visão dos discentes frente aos campos de estágio quando o foco foi a saúde
mental:
“A princípio foi um susto, mas com a experiência de estar diretamente
com os pacientes achei ótimo e vi que não pode se descriminar a primeiro
passo.” (Discente 15)
“Superou as minhas expectativas, porque até então eu tinha a concepção
que lá era um ambiente frustrante, um lugar realmente p/ “loucos”, hoje tenho
uma outra visão.” (Discente 7)
Mas embora tenham sido descritas
sensações positivas, há certa relutância nesse tipo de atenção. Isso é
traduzido abaixo:
“Antes tinha uma
grande aversão, depois dos estágios realizados lá e do contato com a clientela
amenizou um pouco, mais não me identifico com esta área.”(Discente
5)
Surpreendente foi a descrição de
um discente como segue:
“Lugar triste, sem condições de atender o
paciente. Mais de cinco familiares de pacientes que conheço a consideram uma
simples casa com poucas adaptações. (Discente 5)
O movimento de reforma
psiquiátrica no Brasil, ora identificado como movimento de luta antimanicomial,
ora como movimento em saúde mental, é o condutor na formação de projetos
voltados para a criação de novas formas de atenção e de novas possibilidades de
produção de subjetividades, embora isto não seja uma realidade em todo país10.
Dentre os projetos iniciados
como exemplo de concretização da reforma, destaca-se a introdução dos NAPS
– Núcleos de Atenção Psicossocial e CAPS – Centros de Atenção Psicossocial
que representou um passo decisivo na concepção e prática da atenção intensiva.
Outros dispositivos, alguns já praticados de modo não sistemático, foram
incorporados ao cotidiano de profissionais, usuários e familiares (lares
abrigados, emergências psiquiátricas em hospital geral, oficinas terapêuticas
em ambulatório ampliado, clubes e associações autônomas)11.
Diante da atual política de
saúde mental, objetivando a desinstitucionalização, isto é, a não retirada do
paciente de seu contexto social e familiar, fica notória a necessidade de
serviços comprometidos com essa visão e atuando conjuntamente para o processo
de reabilitação e bem estar do indivíduo.
Embora haja uma tentativa de
incluir ações de saúde mental nos vários contextos da psiquiatria, esta atitude
depende de uma política de saúde nacional, estadual e municipal voltada de fato
à garantia de verbas capazes de integrar e operacionalizar estratégias de
promoção, prevenção, tratamento e reinserção social.
Além, claro, do
comprometimento das equipes de saúde, para focarem suas ações, dentro de cada
competência profissional, na abordagem da promoção a saúde mental.
Já, as impressões do hospital psiquiátrico são expressas abaixo:
“Na
época em que visitei, procurei interagir com os pacientes, tinha muito
medo, e esse medo aumentou quando fui agredida por um deles. Acho que por este
motivo não gosto da área”.(Discente 5)
“A princípio muito medo, até porque era uma experiência nova,
além disso, foi incutida em mim a idéia dos antigos manicômios, mas depois
percebi que não era como eu pensava, é só adaptar-se ao novo ambiente”.(Discente 7)
“Dá uma impressão de uma prisão. Mas trata-se de um local
onde pacientes recebem o tratamento adequado para o seu tipo de transtorno”.(Discente 10)
Nota-se que mesmo diante das
mudanças ocorridas após a reforma psiquiátrica, o medo e o distanciamento são
sentimentos constantes.
O medo, como consequência da
estranheza causada pelo comportamento das pessoas com transtornos mentais, foi
identificado em estudo em uma cidade do Ceará (12), como um
importante entrave à atuação de agentes comunitários de saúde. O que reflete os
conceitos arraigados na sociedade dessa clientela, mesmo nos trabalhadores de
saúde.
As respostas mostram mais uma
vez que o modelo asilar ainda é desagregador, na realidade desses discentes
investigados.
Os hospitais psiquiátricos, atentando para o paradigma
clínico-psiquiátrico, forma a base principal de conhecimento e de atuação junto
à pessoa em sofrimento mental. Malgrado os processos de Reforma Psiquiátrica e
curricular, poucas são as mudanças concretas apontadas3,4.
Mesmo em unidades que tem como principal objetivo o tratamento de patologias/transtornos psíquicos, os profissionais necessitam compreender que apenas prescrever e administrar medicações não são suficientes. Isso pode revelar que, no exercício da prática desses profissionais, estão presentes dificuldades muitas vezes deixadas à parte em detrimento diversas exigências do trabalho.
O processo de formação do profissional é descontínuo, tutelar, com valorização do conteúdo e pouco aproveitamento das situações reais vivenciadas pelo aluno, sobretudo nos campos práticos, que representam espaços dinâmicos para o desenvolvimento de competências. A aula prática em saúde mental mobiliza recursos diversos nos docentes e discentes, incluindo os emocionais, constituindo-se em situações complexas, atribuindo ao docente a responsabilidade de administrar esse momento privilegiado para a construção do saber/fazer que supere o modelo psiquiátrico13.
É importante realizar uma
reflexão mais aprofundada sobre a atuação dos profissionais no âmbito da saúde
mental, conhecer suas dificuldades e barreiras, implantar ações diretivas aos
pacientes, integrar a família do paciente, além de agregar a sociedade como um
todo, para que possa ocorrer inclusão de fato desses cidadãos.
Categoria: Visão sobre o ensino da saúde mental
Nessa categoria encontraram-se
as respostas que representaram a satisfação com a disciplina ofertada,
incluindo o referencial teórico bem como as dificuldades e as facilidades nesse
tipo de assistência.
Esses discentes fazem parte de
um curso que dispõe em sua matriz curricular de três disciplinas relacionadas,
são elas: 1.saúde mental, com foco na promoção à saúde, com carga horária de 60
horas; 2.enfermagem psiquiátrica, com foco nos transtornos e assistência de
enfermagem, com 90 horas de carga horária e 3.psicologia aplicada a enfermagem,
com foco nos relacionamentos terapêuticos com carga horária de 60 horas. Nesse
curso tem-se então um total de 210 horas em atividades acadêmicas nessa área
entre aulas teórica-prática.
O ensino de enfermagem psiquiátrica passa por mudanças decorrentes da
reforma curricular e do processo de reforma psiquiátrica. Tendo em vista essas
condições, se faz necessário fornecer algumas informações sobre as políticas de
saúde e saúde mental que precederam o momento atual3.
Ao serem indagados se as
disciplinas são suficientes para abordarem a temática, observam-se algumas falas:
“Precisa de um aprofundamento e conhecimento
maiores para entender melhor”.(Discente 1)
“Por eu não gostar do tema tenho
dificuldade em assimilar e me interessar em estudar e pesquisar sobre o assunto”.(Discente
2)
“Precisamos de uma vida dedicada à saúde mental para entender um pouco”.(Discente
3)
“Muito superficial, cuidar em saúde mental é muito complexo, é outro
universo”.(Discente 4)
Apesar de cursarem três
disciplinas relacionadas à área, as declarações dos discentes referem à
necessidade de uma maior aplicação dos fundamentos de promoção à saúde mental.
Diferente das afirmativas acima
houve outras contrárias, nos quais foram satisfatórias a carga horária, a
explanação e distribuição da abordagem à temática, como se vê abaixo:
“Para mim foi suficiente. Antes de ter essas disciplinas eu não gostava
de saúde mental, mas depois de estudar, mudei um pouco meu conceito, vi que não
era um ‘bicho de 7 cabeças’. A capacidade do docente mudou meu conceito.”
(Discente 6)
“Foram suficientes. As aulas me permitiram entender a essência do termo
‘saúde mental’ e compreender todas as suas vertentes.” (Discente 7)
“Adquirimos conhecimentos para orientações de enfermagem que visam
motivar o paciente para o tratamento,
prestando esclarecimento também as famílias”.(Discente 8)
A enfermagem tem por
característica definidora lidar com a dor e o sofrimento humano. Trata-se da
arte do cuidar que busca prestar ao indivíduo, à família e à comunidade,
assistência para alcance do bem-estar físico e mental. Garantir boas condições
de saúde e permitir que o próprio paciente desenvolva mecanismos de
enfrentamentos dos problemas, do sofrimento e da dor são os objetivos do
enfermeiro no transcorrer de seu trabalho1, 14.
Promover o cuidado a um paciente
em sofrimento mental requer conhecimento específico que proporcione uma
resposta positiva do paciente. Tanto o enfermeiro como o paciente são capazes
de modificar as percepções do mundo a sua volta. Entender, conhecer, discutir e
estabelecer um relacionamento terapêutico nos transtornos mentais é uma
experiência única, capaz de instigar sentimento de plenitude, sendo possível, e
proporcionado por estas disciplinas.
No contexto familiar, no que diz
respeito à disponibilidade e amplitude de atuação, o modelo tradicional
mantinha as famílias afastadas do processo de recuperação do paciente, sendo
até interpretadas como fator interveniente. Já num sistema novo de atendimento,
direcionado à devolução da cidadania do doente, é necessária uma maior atenção
ao serviço, usuário e família15.
O enfermeiro, em sua formação, é
capacitado a se relacionar de forma favorável com a família do paciente que
assiste. A informação é ferramenta indispensável para a interação, além do
acompanhamento em domicílio, quando propício. A identificação de fatores
estressantes no ambiente domiciliar fornece recursos para uma intervenção
direcionada nesse campo de atuação especifico.
No caso do enfermeiro, atuando ou não com práticas de saúde mental, o desafio imposto é cada vez mais complexo, implica a capacidade de uma atuação eficaz juntamente com os outros profissionais, mas não deles dependentes.
O ensino deverá avançar na constituição do saber/fazer: responsabilizar-se pela pessoa e família que se cuida; viver juntos e fortalecer as interações entre trabalhadores/gestores/usuários; acolhimento da pessoa que sofre mentalmente, em espaços que cuidem do sujeito; e, sobretudo, no ser autônomo e responsável pela formação continuada13.
Visualizar o comprometimento
emocional e mental do paciente no processo do adoecer seja por um transtorno
psiquiátrico ou não, é fundamental, tanto para o enfermeiro quanto para o
estudante, pois serve de subsídio para otimizar o cuidado.
No tocante ao referencial
teórico fornecido no transcorrer das disciplinas, questionou-se, se os mesmos
atenderam os quesitos de reflexão e aplicação prática, sendo destacadas abaixo
as principais respostas:
“A carga horária é pequena para um assunto complexo, e difícil de
entender por que só agora as autoridades sanitárias se preocuparam em inserir o
assunto em todos os setores da saúde e envolver outros profissionais não
médicos.” (Discente 2)
“O docente era bem atuante na área de saúde mental e nos repassou bem a
disciplina. Tivemos textos para trabalhar em grupo, sendo esses de reflexão.
Havia debates na sala de aula.” (Discente 6)
Segundo o discente 2, pode-se
observar que o ensino da temática não atende as necessidades reais, havendo um
despertar tardio.
Há presença de uma longa
distância entre o discurso presente na formação especializada e o trabalho da
enfermagem nessa área. O objeto não é mais visto como “doente mental”,
internado que deve ser controlado, mas o portador de “sofrimento psíquico” que
merece ser atendido nas suas necessidades psicossociais1.
Em contraposição com a primeira
resposta destaca-se o discente 6 referindo-se à didática do docente e a
reflexão com subsídio na literatura proposta nessas disciplinas.
O ensino de enfermagem em saúde mental e psiquiátrica no Ceará passa por
um momento histórico de mudanças. As suas contradições tornam-se mais visíveis
para alguns de seus docentes, principalmente quando as identificam em relação
aos avanços da proposta da reforma psiquiátrica, não acompanhados pela prática
predominante3.
Talvez o assunto necessite
perpassar pela matriz curricular de forma sutil introduzindo a promoção à saúde
mental nas várias etapas do ciclo vital, sendo uma solução viável nesse
contexto da enfermagem até chegar na disciplina de psiquiatria. Assim poderá
haver maior clareza dos discentes sobre as nuances entre ambas disciplinas.
Quando são questionadas sobre as
dificuldades e facilidades desse tipo de assistência muitas são as descrições
acerca dessas dificuldades. Percebe-se que essas são reconhecidas pelos
discentes, como podemos ver nas respostas mais relevantes:
“A de identificar o surto; a de saber trabalhar com esse tipo de
situação; o conhecimento mesmo ‘científico’; o próprio paciente”.(Discente 3)
“Existem dificuldades, por haver carência de profissionais que queiram
atuar nessa área. Muitos profissionais têm preconceitos a respeito de saúde
mental e outros não se identificam com esses pacientes”.(Discente 6)
“Porque cabe salientar que se aproximar do universo da doença mental é
tomar contato com uma realidade de muita dor, sofrimento, tarefa nada fácil
para os profissionais da área da saúde”. (Discente 8)
“Sim, pois as pessoas ainda
enxergam a loucura como doença contagiosa, onde o outro, afetado, não é
possível conviver com os normais. Fico muito sensibilizada com o paciente,
diante da situação e até mesmo com os familiares dos mesmos, assim, não podendo
atuar como “ manda o figurino”. (Discente 11)
As facilidades nesse tipo de
assistência só foram relatadas por um sujeito, os demais afirmam não haver e
outro verbalizou ainda, existir muitas melhorias para a assistência. Vê-se
abaixo a única resposta que se refere às facilidades:
“O doente mental deixa de ser um simples
objeto de intervenção psiquiátrica, para tornar-se um agente ativo de
transformação da realidade e de construção de possibilidades”.(Discente 8)
Acredita-se na possibilidade de se construir no cotidiano, nos
confrontos e nas contradições entre o processo de reprodução e recriação,
próprios da prática de enfermagem, um processo contra hegemônico que,
identificado com os preceitos da reforma psiquiátrica, resgate os atores
envolvidos (trabalhadores e usuários), como sujeitos sociais1.
Diante do exposto, a enfermagem mostra-se como sujeito corresponsável
pelas práticas no âmbito da saúde mental, como ator na ruptura dos saberes e
práticas retrógradas, na qual muitas vezes ainda é visto como carcereiro,
detentor das chaves, opressor, burocrático nas práticas de saúde mental2, 16.
Atualmente,
com a demanda do mercado de trabalho e com os desafios enfrentados, torna-se
necessário superar a perspectiva separativista da profissão e elaborar uma
abordagem conjunta com os demais profissionais formando, assim, uma verdadeira
equipe interdisciplinar, o que não é fácil de ser realizado, utilizando-se a
concepção única dos objetivos da própria profissão. Nessa concepção, a nova
visão de saúde mental exige superar obstáculos, recusa o determinismo e a
cristalização de conhecimentos, devendo os profissionais comprometer-se com o
projeto de transformação de si mesmos e consolidar a prática em equipe, buscando
a integração e a distribuição de poder9.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
No contexto onde esse estudo foi
realizado percebe-se certo desinteresse dos discentes por essa área de atuação.
Percebe-se que os conceitos produzidos histórica e socialmente sobre a saúde
mental/psiquiátrica continuam a existir mesmo depois da reforma psiquiátrica e
de tantas outras ações contra segregação. Acredita-se que esses pré-conceitos,
aliados a um possível despreparo profissional, sejam fatores determinantes na
construção de um estereótipo do “louco”, que os afugenta de, inclusive,
conhecer esse tipo de assistência.
Percebeu-se nas respostas dos
discentes que a identidade do enfermeiro, advinda do modelo tradicional, leva-o
a concluir sua graduação com uma visão reduzida, crendo que só vai cuidar do
corpo doente. Talvez por isso foram muitas as respostas de não identificação
com a saúde mental.
Acredita-se que a ausência da
maioria dos discentes enquanto sujeitos da pesquisa, possa ter sido uma
limitação do estudo. Apesar de o objetivo ter sido alcançado, é necessária
realização de investigação sobre a temática em outros contextos, para um
aprofundamento e direcionamento para melhorias no ensino e consequentemente na
assistência de enfermagem.
Disso conclui-se que os
discentes ainda atuam baseados no modelo curativo, porém verificou-se na grande
maioria das respostas, transição na profissão. Muitas frases reforçaram a
importância de trabalhar a saúde mental, mostrando que o olhar para a temática
oscila entre a insegurança e a vontade de inovar.
Porém, não
se pode apenas culpabilizar, seria um argumento temerário, pois as dificuldades
são mais complexas que as apontadas aqui. Assim, existe uma necessidade
gritante de ampliação das reflexões sobre o ensino da saúde mental, com vistas à
inclusão social e melhoria na assistência a essas pessoas.
Infelizmente existe dificuldade
de incorporar os “diferentes” na sociedade, principalmente os grupos
historicamente excluídos, como é o caso dos portadores de doença mental. Talvez
não seja papel somente da enfermagem diminuir a segregação, mas de todos
profissionais de saúde, que de forma indireta exerce função de formador de
opinião. Há de se conhecer mais sobre a temática para defender com propriedade
essas questões.
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* Francisca Liliane Torres da Silva -
Enfermeira do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador -CEREST/Quixeramobim-Ceará. e-mail: grazielle@edu.ufpi.br
** Grazielle Roberta
Freitas da Silva - Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade
Federal do Piaui. e-mail: grazielle_roberta@yahoo.com.br
*** Kátia Nêyla de
Freitas Macêdo-Costa - Enfermeira. Doutora em
Enfermagem. Docente da Universidade Federal da Paraíba. e-mail: katianeyla@yahoo.com.br
**** Giselly Oseni Laurentino Barbosa - Acadêmica de Enfermagem, Universidade Federal do Ceará- Bolsista CNPq. e-mail: grazielle@edu.ufpi.br
1) UnG - Universidade Guarulhos 2) Indexador: Latindex 3) Indexador: Dialnet
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