ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE SISTEMAS ADESIVOS AUTOCONDICIONANTES

ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE SISTEMAS ADESIVOS AUTOCONDICIONANTES

ANTIBACTERIAL ACTIVITY OF SELF-ETCHING ADHESIVE SYSTEMS

Esteves CM*, Reis AF**, Rodrigues JA***

RESUMO: Este trabalho de revisão de literatura foi realizado com o objetivo de discutir as propriedades antibacterianas dos sistemas adesivos autocondicionantes. A evolução das propriedades bioativas dos materiais são uma tendência atual e a atividade antibacteriana é uma propriedade importante na redução das bactérias nas superfícies restauradas, prevenindo a formação de cáries secundárias. Esta propriedade pode ser obtida com a incorporação de substâncias ou pela substituição dos monômeros convencionais por outros com potencial antibacteriano. Apesar da literatura mostrar que a adição de substâncias como o glutaraldeído, e a clorexidina promoverem efeito antibacteriano, sua presença na matriz resinosa pode prejudicar as propriedades físicas dos materiais. Já a incorporação de flúor tem efeito restrito, pois os fluoretos permanecem imobilizados na matriz resinosa. A incorporação de monômeros como o 12-metacriloiloxidodecilpiridínio de Brometo (MDPB) e o dimetil metacrilato de cloreto de amônia (DMAE-CB) demonstram grande efeito antibacteriano sem a alteração das propriedades mecânicas, porém sua efetividade clínica ainda não está estabelecida. Além disso, o baixo pH dos sistemas adesivos autocondicionantes também pode atuar contra algumas bactérias. Pode-se concluir que o efeito antibacteriano dos sistemas adesivos autocondicionantes ocorre somente no momento da aplicação na cavidade, visto que o pH ácido é neutralizado e os componentes antibacterianos permanecem no interior da matriz resinosa após a polimerização. Essa inclusão de componentes antibacterianos nos sistemas adesivos, foi indicado pelos estudos in vitro por ser uma propriedade bioativa promissora, porém ainda existe a necessidade de estudos in situ e in vivo que comprovem a ação antibacteriana clinica dos sistemas adesivos autocondicionantes.

PALAVRAS-CHAVE: Atividade antibacteriana, sistemas adesivos autocondicionantes, cáries secundária.

 

ABSTRACT: This review of literature was conducted to discuss the antibacterial properties of the self-etching adhesives systems. The development of bioactive properties of the materials is a current trend and the antibacterial property is important in reducing bacteria on surfaces restored, preventing the formation of caries around the restorations. The antibacterial property can be obtained by incorporating substances or by the substitution of conventional monomers for others with antibacterial potential. Although literature shows that addition of antibacterial substances such as glutaraldehyde and chlorhexidine promote antibacterial effect, its presence in the resin matrix can impair its physical properties. Since the incorporation of fluoride has limited effect because the fluoride will remain trapped into the resin matrix. The incorporation of monomers such as 12-methacryloyloxydodecylpyridinium bromide (MDPB) and methacryloxytethocetyl dimethyl ammonium chloride (DMAE-CB) have demonstrated a strong antibacterial effect without impairing its mechanical properties, but its clinical effectiveness is not yet established. Furthermore, the low pH of the self-etching adhesives systems can also work against some bacteria. It can be concluded that the antibacterial effect of self-etching adhesive systems occurs only at the application moment in the cavity, whereas the acidic pH is neutralized and the antibacterial components may not be released from the resin matrix after polymerization. The inclusion of antibacterial compounds in the adhesive systems was indicated by in vitro studies to be a promising bioactive property, but there is still a need for in situ and in vivo studies confirm the clinical effectiveness of antibacterial potential of the self-etching adhesives systems.

KEYWORDS: Antibacterial activity. Self-etching adhesive systems. Secondary caries.

 

Introdução

         A união duradoura de sistemas resinosos ao esmalte e a dentina tem sido a grande busca da Odontologia contemporânea. Essa busca teve início com o estudo de Buonocore (1955)1, que descreveu o condicionamento ácido do esmalte como uma simples técnica para aumentar a adesão de resinas acrílicas. Com o aperfeiçoamento da técnica do condicionamento ácido foram desenvolvidos sistemas adesivos que possibilitaram tanto o tratamento com ácido fosfórico do esmalte como o da dentina, objetivando a formação da camada híbrida2. Além disso, a utilização de uma combinação de monômeros hidrófilos e hidrófobos tem garantido maior previsibilidade e sucesso em longo prazo dos procedimentos adesivos restauradores3,4.

         Entretanto, em função da sensibilidade da técnica os sistemas adesivos ainda não alcançaram a excelência clínica desejada5. Um dos principais princípios que devem ser respeitados é o de que a dentina deve permanecer úmida para a formação adequada da camada híbrida6. Caso esta regra não seja respeitada pode ocorrer o rompimento da linha de união e consequentemente a formação de fendas devido à força gerada durante a contração de polimerização das resinas restauradoras ou durante os esforços mastigatórios7-9. Além disso, o preenchimento incompleto da dentina desmineralizada pela resina adesiva após o condicionamento ácido faz com que este espaço seja ocupado por água levando a uma degradação hidrolítica da camada híbrida e clinicamente pode acarretar em sensibilidade pós-operatória, formação de um nicho de estagnação de biofilme e possivelmente em recorrência da lesão cariosa7,8.

         Frente a essas limitações foram desenvolvidos os sistemas adesivos autocondicionantes, que por serem compostos por monômeros ácidos promovem a desmineralização dentinária enquanto se infiltram na estrutura dental para formação da camada híbrida10,11. Outra vantagem apresentada por essa técnica é a eliminação da fase de lavagem e secagem do substrato após o condicionamento ácido, o que elimina a fase crítica de controle da umidade na superfície dentinária necessária para a aplicação do adesivo acarretando em menos erros técnicos cometidos pelo cirurgião dentista11-12.

         É importante salientar que o rompimento da camada híbrida com a formação de uma fenda entre esmalte e resina não determina o desenvolvimento de lesões cariosas secundárias, mas este pode servir como um nicho retentor de biofilme bacteriano e dessa forma pode ser um fator que favoreça sua instalação e progressão, principalmente em pacientes de alto risco12-14. Apesar da Dentística restauradora moderna estar baseada nos princípios da cariologia, e o foco do tratamento restaurador é a redução do risco do indivíduo, torna-se desejável que o material restaurador e sistema adesivo apresentem uma ação antibacteriana ou cariostática para ajudar no controle do desenvolvimento de lesões secundárias15-17. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo caracterizar por meio de uma revisão de literatura o potencial antibacteriano de sistemas adesivos autocondicionantes.

 

Potencial antibacteriano de sistemas adesivos autocondicionantes

         Os sistemas adesivos autocondicionantes são compostos por materiais resinosos convencionais com pH ácido que apresentam pouca ou nenhuma atividade antimicrobiana18,19. Entretanto, tais propriedades podem ser alteradas com a incorporação de outras moléculas com potencial antibacteriano20. As principais moléculas já descritas na literatura científica e que foram adicionadas aos sistemas adesivos foram o glutaraldeído21,22, flúor23; 12-metacriloiloxidodecilpiridínio (MDPB; Figura 1)18-20,24, e recentemente o dimetil metacrilato de cloreto de amônia (DMAE-CB, Figura 2)25. Além dessas moléculas, o baixo pH dos agentes autocondicionantes também tem sido sugerido como responsável por uma ação antibacteriana18,21,22.

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Figura 1- Molécula do monômero MDPB, adaptado de Li et al. 200961.

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Figura 2- Molécula do monômero DMAE-CB, adaptado de Li et al. 200961.

        

         Estudos in vitro analisam a atividade antibacteriana dos compósitos e seus constituintes e normalmente empregam testes em meio Agar. De uma forma geral, os materiais são inoculados em uma placa de Agar contra bactérias orais semeadas no meio de cultura; normalmente espécies relacionadas com o desenvolvimento da doença cárie, tais como espécies de estreptococos e lactobacilos20,26. Nesse método, o efeito dos componentes antimicrobianos forma uma zona de inibição de crescimento das bactérias ao redor do mesmo.

         Por meio dessa técnica de cultura microbiológica contra diferentes espécies de estreptococcus12,27 e lactobacilus18, vários estudos observaram que após a incorporação de determinados monômeros nos agentes adesivos os mesmos inibiram o crescimento destas espécies18,20,26.

         A ação antibacteriana nos sistemas adesivos pode ser obtida pela adição de agentes antibacterianos na matriz da resina como no caso da adição de clorexidina, glutaraldeido e flúor, ou pela imobilização do componente antimicrobiano na composição dos monômeros presentes na matriz resinosa como no caso da adição dos monômeros MDPB e DMAE-CB18-25.

         Pela sua comprovada capacidade antimicrobiana e de inibição de formação de biofilme nas superfícies dentais, alguns estudos incorporaram experimentalmente agentes antibacterianos como o digluconato de clorexidina em alguns sistemas adesivos e em resinas compostas e obtiveram efeito antibacteriano28,29. Observa-se que a liberação desses agentes pelos sistemas resinosos pode exercer efeito tóxico ou induzir a mudança de população de microrganismos. Entretanto, esse efeito pode ter sua eficiência esgotada com o tempo, além de deteriorar as propriedades mecânicas dos materiais restauradores28-30. Os primeiros estudos que tentaram incorporar esse agente antimicrobiano apresentaram deficiência na resistência mecânica e adesiva, e o potencial preventivo desses sistemas adesivos ainda é questionado, principalmente em relação a sua atividade após fotoativação12, 31,32 e ainda não existe no mercado um sistema adesivo autocondicionante com clorexidina.

         O glutaraldeído é um forte desinfetante frequentemente utilizado nos consultórios dentários para esterilização dos instrumentais, dessa forma esse componente foi adicionado nos sistemas adesivos com uso de condicionamento ácido prévio como GLUMA (Heraeus Kulzer), Syntac (Vivadent), ProBOND (LD Caulk/Dentsplay) desejando-se obter esse efeito21,22. Feltron et al. (1989)33, confeccionaram cavidades em dentes de primatas e aplicaram compósitos contendo o adesivo GLUMA (Figura 3). Os autores deixaram estas cavidades abertas durante 48h e observaram que após este tempo o sistema adesivo aplicado foi eficaz na eliminação de bactérias que invadem os túbulos dentinários. Corroborando com estes resultados, todos os estudos de sistemas adesivos contendo glutaraldeído no método cultura produziram halo de inibição contra Streptococus, Lactobacilos e Actinomyces21,22,34. Os estudos sugerem que este resultado mostrado pelo glutaraldeído é devido ao seu efeito antibacteriano, uma vez que os adesivos que não possuem glutaraldeído ou qualquer outro agente antimicrobiano na sua composição não demonstraram inibição21.

 

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Figura 3- Sistema adesivo com Glutarldeído – Gluma.

 

         Entretanto, o efeito do glutaraldeído pode ser limitado há poucos dias após a aplicação. Walter em (2007)35 observou, por meio da aplicação e fotoativação de sistemas adesivos em uma membrana permeável e, subsequente inserção em meio de cultura, que todos os adesivos que continham glutaraldeído exibiram zonas de inibição contra Streptococcus mutans, Streptococcus sobrinus, Lactobacilus acidophilus e Actinomyces viscosus. Porém, esse efeito teve a duração inferior a uma semana. Entretanto, não se encontra disponível atualmente no mercado Odontológico, sistemas adesivos autocondicionantes contendo glutaraldeído.

         Outra alternativa para prover ação antibacteriana ou cariostática aos sistemas adesivos é a incorporação de íons flúor cuja posterior liberação pode inibir a formação de lesões cariosas36,37. Existe uma grande variedade de mecanismos envolvendo os efeitos cariostáticos do flúor, incluindo a redução nos fenômenos de desmineralização e na formação de placa bacteriana. A liberação de flúor nos materiais restauradores é bem conhecida nos cimentos de ionômero de vidro convencionais e também pode ser observada nos híbridos de ionômero de vidro e resina composta14,38. Kerber & Donly (1993)39 demonstraram que sistemas adesivos dentinários acrescidos com fluoreto podem promover uma zona de inibição de cárie de até 0,25 mm da margem da cavidade.

         Entretanto, o efeito cariostático do flúor adicionado nos adesivos parece ser controverso. Rodrigues et. al. (2005)38, compararam in vitro a ação cariostática de ionômeros de vidro convencionais e híbridos e de uma resina composta contendo fluoretos e cálcio. Os autores observaram que a resina composta não apresentou efeito cariostático e os mesmos justificaram esse resultado devido ao efeito cariostático do fluoreto e do cálcio só ocorrer quando os mesmos entram em solução na cavidade bucal. Corroborando com estes resultados Hara et al. (2005)40 também questionaram os efeitos cariostáticos de agentes adesivos, contendo flúor, em um estudo in vitro que comparou quatro agentes adesivos contendo flúor (Optibond Solo, One-up Bond F, Prime & Bond NT e Tenure Quick) com um cimento de ionômero de vidro. Corpos-de-prova de dentina bovina restaurados com estes agentes adesivos e com o cimento de ionômero de vidro foram submetidos à indução de cárie secundária. Os autores relataram que, apesar dos sistemas adesivos liberarem flúor, os mesmos não foram capazes de inibir a formação de lesões de cárie secundária como ocorrido com o cimento de ionômero de vidro.  Posteriormente, Peris et al. (2007)41 observaram que o flúor liberado de sistemas adesivos autocondicionantes (Optibond Solo Plus e Clearfil Protect Bond) não foi capaz de promover um efeito cariostático frente ao desafio cariogênico in vitro e resultou em cárie secundária ao redor de restaurações realizadas em dentes bovinos e consequentemente na redução da força de união.

         A imobilização do componente antimicrobiano na matriz resinosa pela incorporação de monômeros com ação antibacteriana parece ser a opção mais adequada para alcançar um sistema adesivo que possua uma efetiva ação antibacteriana sem prejuízos no processo de adesão ao esmalte e dentina. Partindo deste principio, Imazato (1994)42 preconizou a incorporação do monômero MDPB. Esse monômero foi inicialmente sintetizado e incorporado nos compósitos resinosos e possui propriedades antibacterianas.

         Os estudos iniciais apresentaram resultados promissores em relação à inibição de estreptococos sem alterar as propriedades mecânicas de força de compressão, tensão diametral, resistência, capacidade de polimerização e microdureza do mesmo42,43. Após os estudos que introduziram o MDPB como antibacteriano em resinas compostas, ele foi inserido experimentalmente nos sistemas adesivos24. A adição de MDPB nas resinas e nos componentes dos sistemas adesivos resultou em produtos com propriedades físicas e mecânicas compatíveis com outros materiais restauradores, livres de MDPB. Além disso, os mesmos resultados físico-mecânicos foram observados após a fotopolimerização do mesmo.

         Ainda em fase experimental, Imazato et al. (2001)15 demonstraram que o monômero MDPB possui alta capacidade bactericida in vitro promovendo um grande halo de inibição para 11 diferentes espécies de microrganismos anaeróbicos, e quando aplicado em amostras de dentina cariada, mesmo diluído 40 vezes, ainda pode inibir o crescimento de microrganismos totais comparado a outros sistemas adesivos que não apresentaram este efeito. Em 2006, Imazato et al.16 demonstraram por meio da medição do halo de inibição de crescimento de microrganismos em placas de Agar e pela contagem de microrganismos viáveis, que no substrato dentinário preparado in vitro um primer com uma concentração de 5% de MDPB (Clearfil Protect Bond) possuía uma grande atividade antimicrobiana contra S. mutans, L. casei e A. naeslundii. Porém, Gondim et al. (2008)44 afirmam que a fotoativação reduz significativamente a ação antibacteriana dos sistemas adesivos autocondicionantes, incluindo o que possui o monômero MDPB, mas este ainda apresentava um leve efeito contra as bactérias mesmo após a polimerização. Thomé et al. (2009)45 afirmam que uma vantagem importante desses materiais é o fato de que após a polimerização, o componente antibacteriano permanece imobilizado na matriz da resina. Desse modo o efeito é imobilizado, não havendo a necessidade de degradação do agente. Teoricamente a ação antibacteriana não ocorre pela decomposição do material, e sim pela inibição da adesão bacteriana na superfície do material restaurador. Quando ocorre o contato da membrana citoplasmática com o monômero esta se rompe e há um extravasamento do conteúdo celular e a destruição da mesma16,46.

         Por outro lado, alguns estudos observaram efeito antibacteriano in vitro em sistemas adesivos autocondicionantes, mesmo quando não apresentavam componentes antibacterianos em suas formulações. Tal efeito foi atribuído ao seu baixo pH19,21,47. Ohmori et al. (1999)48 também demonstraram formação de halo de inibição contra S. mutans e efeito antibacteriano em cavidades confeccionadas in vitro em dentes bovinos para uma série de adesivos autocondicionantes que não possuíam monômeros antibacterianos e tal efeito foi atribuído ao pH ácido. Karanika-Kouma et al. (2001)14 observaram a formação de halos de inibição contra L. salivarius, S. sorbinus, A. viscosus e S. mutans por um material ionomérico e adesivos convencionais e tal ação foi atribuída ao baixo pH dos mesmos. Outros estudos também associam efeitos antibacterianos de sistemas adesivos ao baixo pH19,22,47.

 

Discussão

         Devido à alta prevalência de cáries secundárias após o tratamento restaurador49, existe recentemente um aumento de interesse na capacidade terapêutica dos materiais restauradores.

         Dessa forma, o uso de materiais restauradores inteligentes, ou seja, materiais bioativos, que tem a capacidade de inibir o desenvolvimento de biofilme, desmineralização ao redor das restaurações, proporcionar sua remineralização e que tem ação direta contra microrganismos cariogênicos, além das propriedades básicas dos biomateriais tem crescido dentro do mercado odontológico.

         Assim sendo, o desenvolvimento de compósitos e sistemas adesivos com propriedades bioativas é uma tendência futura dentro da Odontologia. Os sistemas adesivos autocondicionantes que possuem atividades antimicrobianas podem ser classificados como material com propriedades bioativas. Dessa forma, esse trabalho teve como objetivo realizar uma revisão de literatura em relação ao uso desses sistemas adesivos e a sua ação antimicrobiana em estudos in vitro, visto que até o presente momento não existem estudos in situ ou in vivo em humanos.

         Desde o século passado vários estudos tem examinado as propriedades antibacterianas dos compósitos odontológicos e seus constituintes31,38, 45,50-53.

         O conhecimento atual sobre o efeito antimicrobiano dos sistemas adesivos autocondicionantes foi na maioria proveniente de estudos in vitro. De forma geral, o método de cultura vem sendo o mais utilizado por ser um teste simples e fácil para determinação do efeito antimicrobiano desses materiais. Estudos utilizando glutaraldeído21,22 e MDPB20,54 demonstraram efeito inibidor quando aplicado em placas de Agar contra diferentes espécies de estreptococos e lactobacilos.

         Dessa forma, baseando-se apenas nos resultados dos estudos in vitro, o uso desses agentes parece ser promissor. Entretanto, cabe ressaltar que o efeito in vitro pode não ser o mesmo apresentado in vivo. Estudos já demonstraram que as bactérias são mais susceptíveis a agentes antibacterianos quando estão em meios de cultura do que quando estão crescendo na forma de biofilme sobre a superfície dental55. Assim, é importante analisar os efeitos em estudos in situ e in vivo. Como o desenvolvimento de lesões cariosas é demorado e a indução de lesão de cárie nos dentes de pacientes é inviável, estudos in situ são mais adequados e necessários para comprovar e eficácia dos sistemas adesivos autocondicionantes.

         Existe somente um sistema adesivo no mercado odontológico que possui o MDPB (Clearfil Protect Bond - Kuraray; Figura 4), e não existem estudos longitudinais comprovando seu efeito antibacteriano na prevenção de lesões secundárias.

 

Figura 4- Sistema adesivo autocondicionante com o monômero MDPB- Clearfil Protect Bond.

 

         O resultado mais próximo da situação clínica é o de Lobo et al. (2005)56, que avaliaram o efeito cariostático de três sistemas adesivos por meio do desenvolvimento de lesões cariosas artificiais, com um modelo microbiológico, ao redor de cavidades preparadas em dentes bovinos. Nenhum dos adesivos apresentou efeito cariostático, porém, foi observado que os adesivos com flúor ou com o MDPB diminuíram a síntese de polissacarídeos extracelulares necessários para adesão nas superfícies dentais e utilizados como fonte de energia (glucanos) pelas bactérias, demonstrando que elas foram afetadas.

         Feuerstein et al. (2007)12 relatam que os sistemas adesivos autocondicionantes podem ter um efeito antibacteriano imediato pela presença dos monômeros antibacterianos, porém, após a fotoativação e em longo prazo é possivelmente limitado, pois se restringem a matriz resinosa. Além disso, se restringem a interface das restaurações, com uma espessura de 2-3 micrômetros,32,57 que possivelmente terá pouco efeito antibacteriano proporcionalmente à área adjacente na qual as bactérias podem se aderir.

         Além disso, o efeito antibacteriano atribuído ao pH ácido dos sistemas autocondicionantes também deve ser considerado limitado, pois com sua reação com a dentina ocorre uma neutralização gradual19,48,58,59 e possivelmente perda do efeito. Assim, somente a aplicação do sistema com característica ácida não garante uma ação cariostática, além disso o efeito desse adesivo em bactérias acidogênicas como as espécies de Lactobacilos a longo prazo é questionável. Schmalz et al. (2004)26 analisaram a sua ação antimicrobiana em meio de cultura de materiais com pH igual ou inferior a 1,5 e apesar de efetivos para algumas espécies bacterianas, para os Lactobacilos, que são ácidos tolerantes, este efeito é mínimo60.

         Desta forma, o benefício antibacteriano dos sistemas autocondicionantes deve ser focado na modificação dos monômeros, visto que a adição de substâncias antibacterianas pode comprometer suas propriedades físico-mecânicas, e como ficam incorporadas na matriz24, necessitam serem liberadas para o meio, o que somente ocorre pela sua degradação. Mesmo assim, a efetividade clínica dos monômeros antibacterianos ainda continua questionável embora seja promissora.

 

Conclusão

            O efeito antibacteriano dos sistemas adesivos autocondicionantes ocorre somente no momento da aplicação na cavidade, visto que o pH ácido é neutralizado e os componentes antimicrobianos permanecem no interior da matriz resinosa após a polimerização. Existe a necessidade de estudos in situ e in vivo que comprovem a ação antimicrobiana dos sistemas adesivos clinicamente.

 

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* Camila Machado Esteves - Mestre em Odontologia, área de concentração em Dentística, Universidade Guarulhos; e-mail: estevescamila@msn.com

** André Figueiredo Reis - Mestre e Doutor em Clínica Odontológica, área de concentração em Dentística, Professor adjunto dos cursos de graduação e pós-graduação; e-mail: areis@prof.ung.br

*** José Augusto Rodrigues - Mestre e Doutor em Clínica Odontológica, área de concentração em Dentística, Professor adjunto dos cursos de graduação e pós-graduação; e-mail: jrodrigues@prof.ung.br

 

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