AVALIAO DA INCIDNCIA DE SINTOMAS
DEPRESSIVOS EM ALUNOS DE 1 A 4 SRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL, A PARTIR DO
INVENTRIO DE DEPRESSO INFANTIL (CDI)
EVALUATION OF THE INCIDENCE OF
DEPRESSIVE SIMPTOMS IN STUDENTS FROM THE FIRST TO FOURTH GRADE OF ELEMENTARY
SCHOOL, FROM CHILDRENS DEPRESSION INVENTORY (CDI)
RESUMO: O presente estudo objetiva avaliar a incidncia de sintomas depressivos
em crianas de 1 a 4 srie do Ensino Fundamental, procurando estabelecer um
comparativo com as questes sciodemogrficas das crianas envolvidas na
pesquisa. A depresso infantil no mais negada nos dias de hoje, estudos
destacam que at 2,5% das crianas e 8,5% dos adolescentes passam por
depresso. Participaram da pesquisa 80
crianas com idade mdia de 8,13 anos, sendo 40 crianas de uma escola
pblica e as outras 40 de uma escola privada, ambas situadas na Grande So
Paulo. O instrumento utilizado foi o Inventrio de Depresso Infantil (CDI),
que detecta aspectos gerais da sintomatologia depressiva. Os resultados
revelaram que 15% das crianas da escola pblica e 5% da escola privada possuem
sintomas depressivos, dentre elas, 62% so meninos e 38% meninas. Os principais
sintomas depressivos observados na escola pblica foram os de fadiga, solido,
tristeza, perturbao no sono, pessimismo, sentimento de menos valia, de culpa
e preocupao. Na escola privada, os principais sintomas detectados foram
sentimentos de menos valia, desobedincia / rebeldia, pessimismo, anedonia,
culpa, choro, preocupao e solido. Fatores educacionais, relacionados
diretamente a elementos scioculturais, interferiram nos resultados da pesquisa
e na aplicao literal do CDI, mostrando a necessidade de um aprimoramento do
instrumento em seus procedimentos de aplicao, para que a avaliao da
sintomatologia depressiva possa se tornar mais precisa. Assim, sero
necessrios estudos mais amplos, que contribuam para essas questes.
Palavras-chave: Depresso Infantil. Psicopatologia. Avaliao Psicolgica. CDI
Keywords: Childhood Depression. Psychopatology. Psychological Assessment. CDI.
INTRODUO
Questes iniciais
sobre depresso infantil
Nas ltimas dcadas, o tema depresso tem sido alvo de grande destaque,
especialmente da psiquiatria. H grande quantidade de pesquisas, colquios e
publicaes destinados a tratar do tema, como tambm um grande investimento da
indstria farmacolgica para a medicao antidepressiva. 1
Segundo Bahls2, previsto que a depresso seja uma das
doenas que substitua as tradicionais doenas infecciosas e de m nutrio e,
que at 2020, seja a segunda enfermidade de maior incidncia.
De acordo com a World Health
Organization3,
estima-se que 121 milhes de pessoas tendero sofrer de depresso: 5,8% dos
homens e 9,5% das mulheres podero experienciar um episdio depressivo em
determinada idade. Kehl4, esclarece que 3% da populao
norte-americana sofre de depresso crnica, cerca de 19 milhes de pessoas, das
quais 2 milhes so crianas. Aponta tambm, que a depresso a principal
causa de incapacitao em pessoas acima de cinco anos de idade e que os
suicdios entre jovens e crianas de 10 a 14 anos aumentaram 120% entre 1980 e
1990.
Miller5 destaca que at 2,5% das crianas e 8,5%
dos adolescentes passam por depresso. De acordo com o autor, a depresso varia
de acordo com o sexo. Em garotos na pr-puberdade, os sintomas depressivos so
duas vezes mais comuns do que em garotas; entretanto, em garotas na
ps-puberdade, aps os doze anos, os sintomas depressivos eram duas vezes mais
comuns. Esses dados, de acordo com o autor, sugerem que fatores genticos,
biolgicos, sociais e culturais podem estar relacionados com o distrbio.
A depresso tem sido registrada desde a Antiguidade. Emil Kraepelin, em
sua poca, destacou-se por sua significativa contribuio, na qual elaborou
conhecimentos de psiquiatras franceses e alemes, descrevendo a psicose
manaco-depressiva para o estabelecimento do diagnstico de transtorno bipolar
I.6 Miller5, expe que Kraepelin, no final do sculo XIX,
constatou que o perodo de normalidade entre episdios depressivos tornava-se
menor a cada novo episdio sucessivo, como tambm verificou que o primeiro
episdio depressivo era desencadeado por um estressor razoavelmente grave,
porm, os episdios subsequentes, no necessitavam de um grande estressor para
induzir a um prximo episdio depressivo.
De acordo com a Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamentos
– CID-107, em sua dcima reviso, apresentado o quadro descrito
como F32 – Episdio Depressivo – que se refere a indivduos que
usualmente sofrem de humor deprimido, perda de interesse e prazer, e energia
reduzida, levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuda. Outros
sintomas comuns so: concentrao e ateno diminudas; autoestima e
autoconfiana reduzidas; idias de culpa e inutilidade; vises desoladas e
pessimistas do futuro; idias ou atos autolesivos ou suicdio; sono perturbado;
apetite diminudo.
De acordo com a Associao de Psiquiatria Americana8,
responsvel pela publicao do Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos
Mentais - DSM-IV, no que refere aos transtornos depressivos, podem-se destacar:
transtorno depressivo maior, transtorno distmico, transtorno depressivo sem
outra especificao. Em relao aos especificadores descrevendo o episdio de
humor mais recente, h as variedades leve, moderado, severo sem aspectos
psicticos, severo com aspectos psicticos, em remisso parcial, em remisso
completa, crnico, com caractersticas catatnicas, com caractersticas
melanclicas, com caractersticas atpicas.
Porto9,
ao se referir classificao do DSM-IV, tece crticas ao conceito de depresso
maior, considerando-o excessivamente abrangente, por isso, pouco preciso. J o
conceito de melancolia apresentado pelo DSM-IV, segundo o autor, muito mais
preciso. Para ele, os sentimentos de tristeza e alegria fazem parte da vida
psquica normal. A tristeza uma resposta universal s situaes de perda,
derrota, desapontamento, entre outras contrariedades. O autor expe, em seu
estudo, os significados do termo depresso. Na linguagem corrente,
empregado para designar um estado afetivo normal (tristeza); um sintoma, como
resposta a situaes estressantes ou a circunstncias sociais e econmicas
adversas; uma sndrome que inclui uma gama de alteraes, entre eles:
alteraes de humor, cognitivas, psicomotoras e vegetativas e, finalmente,
caracteriza a depresso como uma doena.
A depresso enquanto quadro nosogrfico da psiquiatria infantil,
tornou-se objeto de interesse no sculo XX, a partir da dcada de 1960; porm,
de acordo com Miller5, a idia de criana deprimida foi aceita mais
amplamente a partir da dcada de 1970, passando a ser descrita com critrios e
diagnsticos precisos. Um dos momentos em que foi determinante para suscitar o
interesse dos profissionais de sade por essa patologia, foi a descrio dada
por Spitz10 de depresso anacltica, que se refere separao da
criana de seu objeto libidinal, ou seja, a criana permanece privada de sua
me sem ter recebido um substituto aceitvel, por um perodo de cinco meses ou
mais.
Como descreve a Associao de Psiquiatria Americana8,
no que diz respeito ao episdio depressivo maior, em crianas e adolescentes o
humor irritvel ou rabugento poder aparecer ao invs do triste ou abatido,
como tambm uma queda abrupta no rendimento escolar, podendo refletir
dificuldade de concentrao que um dos critrios do episdio. Em relao
comorbidade, Rodrguez11 aponta que os transtornos afetivos em
crianas e adolescentes so associados variedades de outros transtornos. Dentre
os que ocorrem concomitantemente com a depresso est o Transtorno por Dficit
de Ateno com Hiperatividade (TDAH), Transtornos de Ansiedade e Transtorno de
Conduta.
De acordo com Ajuriaguerra12, o termo depresso no possui na
criana o mesmo sentido que a depresso do adulto; o contedo no o mesmo e
representa uma experincia diferente, de acordo com a idade manifesta.
Depresso: ponto
de vista psicanaltico
Segundo os aportes psicanalticos, a depresso tem profunda
relao com a perda do objeto de amor, seja ela real ou simblica. Klein13
elabora o conceito de posio
depressiva, que designa a fase do desenvolvimento na qual a
criana capaz de reconhecer o objeto na sua totalidade e estabelecer relaes
com ele. A criana reconhece a me como separada dela, com uma vida prpria e
como algum que mantm relaes com outras pessoas. Para a autora, somente
depois que o objeto tenha sido amado como um todo, poder sua perda ser sentida
como um todo (p. 358). A partir dessa tomada de conscincia da criana,
instala-se um desamparo, uma completa dependncia e cime. A ansiedade da
criana origina-se da ambivalncia e ela tem medo de que sejam seus prprios
impulsos destrutivos que destruam o objeto que ela ama e do qual depende
totalmente.
Como expe a autora, quanto mais a criana conseguir manter
relaes de afinidade com sua me, mais facilmente a posio depressiva
conseguir ser sobrepujada, mas, sobretudo, o sucesso desse processo depende da
forma como a criana encontrar uma sada para o conflito de amor, dio e
sadismo incontrolveis. As tendncias de reparao tm um papel importante no
processo de superao da posio depressiva infantil. Nesse processo h
mudanas psicolgicas que incluem a maturao do ego para o desenvolvimento do
seu sentido de realidade psquica e realidade externa; da a importncia de
circunstncias favorveis, para que esse desenvolvimento seja adequado.
A
forma de compreender esse processo do desenvolvimento do beb muito
produtiva, principalmente para o esclarecimento da etiologia das neuroses e
psicoses, como tambm para a compreenso de padres depressivos da criana.
Para Klein13, a posio depressiva o ponto central do desenvolvimento
da criana, a sua evoluo normal e sua capacidade de amor, segundo a autora,
baseia-se principalmente na forma como o ego elabora e supera essa posio.
Winnicott14 acrescenta que h uma carncia
existencial nesse estado de desenvolvimento, que surge no momento do desmame.
Segundo o autor, se tudo correr bem nesse perodo, a posio depressiva
atingida e se estabiliza na segunda metade do primeiro ano.
Rodrguez11, considera que o que ir estabelecer
a diferena entre a depresso como um processo normal do desenvolvimento de uma
enfermidade depressiva, ser a intensidade e durao do fenmeno.
Freud15 esclarece que no sofrimento do luto, h
uma reao perda de um objeto amoroso, ou seja, o indivduo sabe o que
perdeu, conscientemente. A realidade dessa perda exige que toda a libido seja
retirada de suas ligaes com aquele objeto. Esse desinvestimento libidinal
ocorre pouco a pouco e, durante esse processo, h uma inibio e perda de
interesse pelo mundo externo; a libido recolhida e volta ao ego. Quando o
processo do luto cessa, a libido que havia sido recolhida, volta a ser
investida em objetos externos.
J na melancolia, de acordo com o autor, tambm h a
experincia de perda do objeto amoroso, porm, ao contrrio do processo de luto,
o indivduo sabe quem perdeu, mas no claramente o que foi perdido nesse
algum. Portanto, a melancolia est relacionada a uma perda objetal
inconsciente. Nesse caso, a libido tambm retirada do objeto perdido e
volta-se para o ego, mas, diferente do luto, no h um reinvestimento dessa
libido, ela aprisiona-se ao ego. A principal diferena que no luto h um
empobrecimento do mundo externo; na melancolia, o prprio ego que sucumbe.
Recentemente, reflexes retratam quadros de depresso sem
tristeza, ou seja, um conjunto de contedos psquicos que levam a um quadro
depressivo, sem a manifestao sintomtica de tristeza. Nesses casos, a falta
da subjetivao pessoal leva o paciente a uma ruptura emocional, com contedos
psicolgicos comprometidos.16 Tal verso distancia o sintoma de
tristeza da depresso clssica, apontada nos manuais descritivos.7,8
Pensando sob esse enfoque, a depresso, dependendo de sua
seriedade, no s inibe intelectualmente a criana, mas a impossibilita de
relacionar-se com o mundo externo de forma satisfatria, tamanha sua absoro
interna, resultado de seus conflitos e angstias.
De acordo com Bahls2, o fenmeno da depresso em
crianas e adolescentes, est mais frequente e ocorre cada vez mais cedo. De
acordo com o autor, em crianas pr-escolares, idade entre seis e sete anos, as
manifestaes clnicas mais comuns so os sintomas fsicos, principalmente
dores fsicas e abdominais, fadiga e tontura. Essas queixas fsicas seriam
seguidas por ansiedade (especialmente a de separao), fobias, agitao
psicomotora ou hiperatividade, irritabilidade, diminuio do apetite com
dificuldade de atingir o peso adequado, e alteraes no sono. O autor expe
que, tambm nessa fase, h a ocorrncia de enurese, fisionomia triste,
comunicao deficiente, choro frequente, movimentos repetitivos e auto e (ou)
heteroagressividade. O prazer de brincar ou ir escola comumente diminuem.
Shafii e Shaffi17, destacam que o comportamento
autodestrutivo na forma de bater a cabea severa e rapidamente, morder-se,
engolir objetos perigosos e a propenso a acidentes, podem ser equivalentes a
comportamentos suicidas em crianas que no verbalizam emoes.
J em crianas escolares, idade de sete a doze anos, Bahls2
aponta que o humor depressivo j pode ser verbalizado e relatado, frequentemente,
como tristeza, irritabilidade ou tdio. O declnio e fracasso escolar ficam
mais acentuados nessa fase, afinal, h uma significativa diminuio da
concentrao e interesse, prprios do quadro depressivo.
Sandler e Joffe18, no que se refere combinao de alguns
elementos que constituem a reao depressiva infantil, apresentam os seguintes
elementos: criana triste, infeliz, deprimida; atitude de retraimento e
desinteresse; insatisfao, com pouca capacidade de sentir prazer; sentimento
de ser rejeitada ou mal amada; incapacidade de receber ou pedir ajuda;
tendncia geral a regredir a uma fase com aumentos das necessidades orais;
insnia ou outros distrbios do sono; atividades autoerticas; dificuldade de
estabelecer um bom contato com o terapeuta.
As alteraes de comportamento observadas em crianas so muito
importantes, por serem episdicas, e devem ser rigorosamente observadas,
principalmente quando o fato das alteraes ocorre sem aparente explicao. As
crianas que tinham uma conduta comportamental adequada e adaptada podem,
repentinamente indicar irritao, destrutividade associadas dificuldade em
seguir regras que antes seguiam19.
Bahls2, aborda que tanto em crianas pr-escolares como nas
escolares, a depresso torna-se clara quando se observam temas das fantasias,
desejos, sonhos, brincadeiras e jogos, como contedos predominantes de
fracasso, frustrao, destruio, ferimentos, perdas ou abandonos, culpa,
excesso de autocrtica e morte. O autor destaca que os professores so, frequentemente,
os primeiros a perceberem as modificaes decorrentes da depresso nessas
crianas.
Para Assumpo19, os sintomas depressivos em crianas tambm
podem acompanhar sintomas psicticos, reconhecidos com o aparecimento de idias
delirantes e alucinaes, predominantemente auditivas e de carter persecutrio
ou religioso, assim como as alucinaes tteis e visuais, embora mais raras. De
acordo com o autor, as idias suicidas tambm no so raras, apesar de
dificilmente acontecerem antes dos dez anos de idade, isto provavelmente pelo
prprio desenvolvimento cognitivo, que d um instrumental muito pobre para o
planejamento e avaliao dos prprios atos.
Em relao etiologia, Coutinho20 afirma que os transtornos
depressivos em crianas no so semelhantes aos dos adultos. Em sua tese,
aponta, de modo geral, que entre os sintomas mais frequentes da depresso
infantil destacam-se a tristeza, atitude de retraimento e desinteresse,
insatisfao, pouca capacidade de sentir prazer, sentimento de ser rejeitada ou
mal-amada, incapacidade de pedir ou receber ajuda, insnia ou outros distrbios
do sono.
Miller5, ao estabelecer diferenas entre a depresso adulta e
infantil, aborda que quando o episdio depressivo diagnosticado em crianas,
normalmente o primeiro, enquanto que em adultos j ocorreram vrios episdios
depressivos. As crianas que experienciam episdios depressivos, tero alta
probabilidade de sofrerem outros episdios. De acordo com o autor, h grandes
vantagens em se detectar precocemente os sintomas depressivos e fornecer
tratamento imediato. Dessa forma, quando o primeiro episdio depressivo ocorre
na infncia, ele deve ser considerado grave em termos de chance de recorrncia.
A idia da existncia de uma patologia familiar defendida por
Rodrguez11, a autora descreve trs grandes tendncias das famlias
de crianas e adolescentes deprimidos. A primeira seria de uma incidncia
elevada de depresso em crianas por meio de um processo de identificao. A
segunda trata de famlias com grandes dificuldades de manejarem sentimentos de
hostilidade e agresso; alm de agredirem a criana, a impedem de expressar
seus sentimentos negativos, castigando-as; isto por se constiturem em objetos
que no podem tolerar a agresso da criana, pois se deprimem profundamente e
se culpabilizam. A terceira tendncia, em famlias onde h o desprezo em
relao criana.
Para Bandim, Sougey, Carvalho, Barbosa e Fonseca21, a
entrevista com os pais e os dados colhidos junto escola, tornam-se
fundamentais para se fazer um diagnstico preciso. No se deve negar a
existncia de uma relao entre a escola e famlia, como diz Faria22,
de uma maneira ou de outra, onipresente ou discreta, agradvel ou ameaadora, a
escola faz parte da vida cotidiana de cada famlia. Principalmente nos dias de
hoje, h uma exaltao da necessidade de se estabelecer um dilogo entre a
escola e famlia. Isto, no que diz respeito ao diagnstico precoce da
sintomatologia depressiva, bastante significativo.
A falta de informao de pais e professores sobre a depresso infantil
pode contribuir para aumentar as dificuldades dos alunos e causar inmeras sequelas
emocionais no futuro. evidente que famlia e educadores no esto preparados
para fazer um diagnstico nas crianas. Cabe ressaltar que nem esse o papel
dos mesmos. No entanto, um olhar mais atento a essas crianas permite que sejam
reconhecidas mais cedo e encaminhas para um diagnstico mais cuidadoso
associado interveno necessria23.
Para os pais, aceitar que seu filho est com depresso causa de muita
ansiedade e, como coloca Rodrguez11, admitir que algo est errado,
pode suscitar a fantasia de que fracassaram como pais.
Diante do que foi abordado at ento, pode-se observar que a depresso
infantil um tema atual com estudos e pesquisas recentes, o que deve mobilizar
a atuao dos profissionais envolvidos com essa problemtica. Para tanto, a
escola e a famlia tem um papel fundamental nesse processo.
Atualmente, no se questiona o fato de que as crianas possam ficar
deprimidas, e bem provvel que seus sintomas fiquem mais evidentes no
contexto escolar, pois as crianas passam grande parte, se no todo o dia,
nesse ambiente.
Em uma pesquisa realizada por Bandim et al.24 sobre o
rendimento escolar em crianas de nove a doze anos com sintomas depressivos, de
uma escola particular na cidade de Recife-PE, houve como resultado um prejuzo
significativo no desempenho escolar em todas as matrias, especialmente em
Portugus e Cincias, quando comparados com crianas sem sintomas depressivos.
Andriola e Cavalcante25 , avaliaram a depresso em alunos
pr-escolares por meio da Escala de Sintomatologia Depressiva para Professores
(ESDM-P), em uma amostra composta por 345 alunos de pr-escola, com idade mdia
de 5,6 anos, de ambos os sexos. As anlises feitas atravs das respostas dos
professores, revelaram que 3,9% das crianas do respectivo estudo apresentaram
prevalncia depresso.
Outra pesquisa de destaque a de Golfeto et al. 26, que
avaliaram as propriedades psicomtricas do Inventrio de Depresso Infantil
(CDI) adaptado para o Brasil, por meio da anlise fatorial e de consistncia
interna, com uma amostra de 287 escolares de Ribeiro Preto, situados entre 7 e
14 anos. A concluso foi de que o CDI til para rastrear sintomas gerais de
depresso.
De acordo com Barbosa e Lucena27, a escola um local
favorvel realizao de estudos epidemiolgicos em crianas. O comportamento
depressivo na infncia, muito provavelmente, apresentar suas consequncias no
contexto educacional, assim, o baixo rendimento escolar representa um dos
primeiros sinais do surgimento de um possvel quadro depressivo. Segundo
Andriola e Cavalvante25, o diagnstico precoce revela-se
imprescindvel para que os comportamentos depressivos possam ser com mais
facilidade tratados e (ou) modificados.
Coutinho, Moreira e Jacquemin28 ressaltam a importncia de
pesquisas que possam servir na avaliao da sintomatologia da depresso
infantil, no apenas para explicar a dor humana gerada por esse transtorno, mas
para intervir na melhoria da qualidade da vida humana, atravs de prticas
preventivas e educacionais nas instituies escolar e familiar.
No que se refere sintomatologia depressiva, o presente estudo poder
criar subsdios que auxiliem nas reflexes pertinentes ao quadro da depresso
infantil, podendo contribuir para uma melhor compreenso desse importante
fenmeno humano e, assim, proporcionar condies para a conscientizao em
relao ao tema e sobre a importncia do diagnstico precoce dos sintomas
depressivos, tornando mais provvel a amenizao do quadro em crianas.
Do ponto
de vista antropolgico, a depresso infantil caracteriza-se como uma possvel
categoria para diferentes aspectos da realidade, levando a identificao de
problemas de outra ordem. Podem identificar a insatisfao dos adultos frente
realidade psquica das crianas. Por isso, pode ser compreendida de forma
diferenciada de quadros correlatos em adultos, sob o ponto de vista da realidade
cultural.29
Tratando-se
de realidade, reflexes de Cruvinel e Boruchovitch30 enfatizam que o estudo e a melhor
compreenso da depresso infantil podem levar minimizao de vrias
dificuldades cotidianas de grande grupo de crianas, principalmente no ambiente
escolar e educacional, por ser espao onde a criana passa grande parte de
tempo e onde os sintomas podem surgir de forma mais evidente. Outro aspecto a
ser considerado na investigao da depresso infantil a constituio das
relaes familiares, estudos apontam estreita relao entre a sade mental dos
pais e de crianas que apresentaram quadros de depresso infantil,
constituindo-se assim como outro fator importante de realidade a ser
considerada31. Tanto escola como ambiente familiar so espaos de
importante anlise para consideraes da depresso infantil.
Diante do que foi exposto teoricamente, o presente artigo avaliou a
incidncia de sintomas depressivos em crianas de 1 a 4 srie do Ensino
Fundamental, estabelecendo um comparativo com as questes sciodemogrficas das
crianas envolvidas na pesquisa.
MTODO
Sujeitos:
Participaram da pesquisa 80 crianas de 1 a 4 srie do
Ensino Fundamental, sendo 40 crianas de uma escola pblica e as outras 40 de
uma escola privada, ambas situadas na Grande So Paulo. De cada srie
especificada, participaram dez crianas, divididas igualmente quanto ao sexo.
Instrumento para
a coleta de dados:
Os dados foram levantados a partir do Inventrio de
Depresso Infantil (CDI), que surgiu inicialmente nos Estados Unidos e prope
mensurar os sintomas depressivos em crianas e adolescentes, situados na
faixa-etria dos sete aos dezessete anos. Seu objetivo geral detectar a
presena e seriedade de Transtorno Depressivo. um instrumento que foi normatizado
e adaptado para a cidade de Joo Pessoa – Brasil – por Barbosa e Lucena27. Na
verso adaptada, o CDI possui 20 itens, cada um dos itens consta com trs
opes de respostas, para cada uma delas um valor correspondente (a = 0; b = 1
e c = 2). O sujeito deve assinalar a opo que melhor o descreve nas ltimas
duas semanas. Das trs opes apresentadas em cada item, uma refere-se
normalidade, outra severidade dos sintomas e a terceira enfermidade clnica
mais significativa.
Apesar da maioria dos estudos brasileiros sobre depresso infantil,
utilizando o CDI, empregarem o ponto de corte 17, preferiu-se, neste estudo,
utilizar o ponto de corte 16, excluindo um item do questionrio. Essa
preferncia foi baseada na pesquisa de Cruvinel23. O item que se optou
retirar foi o 9, de maneira que o inventrio ficou composto de um total de 19 itens. O item 9 refere-se a uma
questo que investiga a inteno suicida; sua retirada justifica-se na medida
que se escolheu a faixa etria correspondente a alunos de 1 a 4 srie do
Ensino Fundamental e, como aborda Cassorla32, o suicdio em crianas
uma condio pouco frequente, sendo que a depresso no precisa,
necessariamente, estar associada ao suicdio; tambm, omitiu-se o referido
item, com o propsito de evitar que as crianas pudessem abalar-se
emocionalmente com essa questo.
Assim
como na pesquisa anteriormente descrita, a retirada do item 9 foi
estatisticamente levada em conta e foram realizados ajustes no clculo das
mdias dos sujeitos no inventrio. Dessa forma, a pontuao mxima ser 38 e a
mnima 0.
O
CDI foi escolhido por se tratar de instrumento psicomtrico de avaliao da
depresso infantil que possibilita a identificao quantitativa da prevalncia
da depresso em crianas. Estudos mostraram a confiabilidade do inventrio em
pesquisas e tambm na identificao clnica do quadro de depresso infantil.
O instrumento pode
ser uma interessante estratgia para levantar o reconhecimento e a triagem com
sintomas depressivos, embora solicitar que uma criana estabelea as respostas
sobre seus sentimentos pode ser tarefa complexa33.
O CDI
mostrou-se adequado como instrumento de screenning, qualquer que seja o contexto onde a
criana se insere. Dados da pesquisa realizada apresentam composio
trifatorial e um alfa de Cronbach de 0,85 no CDI, demonstrando boa consistncia
interna, tal informao indica que a adaptao brasileira para o inventrio
apresenta aspectos psicomtricos satisfatrios, embora mais estudos sejam
necessrios para generalizaes nacionais34.
Anlises
mostraram que o CDI claramente uma medida unifatorial que avalia a depresso
infantil a partir de uma estrutura fatorial dentro do que recomendado pela
literatura psicomtrica, apesar de indicar, tambm, a necessidade de pesquisas
em outros contextos com amostras heterogneas35.
Procedimento para
a coleta de dados:
Inicialmente a pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comit
de tica em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Guarulhos.
Foi realizado um contato com uma escola privada e outra
pblica, para que fossem explicitados os objetivos da pesquisa, solicitando a
autorizao para a sua realizao. Em seguida, foram enviados os termos de
consentimento para os pais de cada criana de 1 a 4 srie do Ensino
Fundamental, dos turnos da manh e tarde.
A partir desses passos, iniciou-se a aplicao do CDI nas
crianas que estavam devidamente autorizadas. Em um primeiro momento, optou-se
pela aplicao coletiva, com exceo da 1 srie; porm, no decorrer do
processo, observou-se a necessidade da aplicao individual, principalmente no
que se refere a adequada compreenso das questes. Alguns casos foram
retomados, e praticamente a partir do segundo dia de aplicao, optou-se pela
aplicao individual do inventrio.
Para a aplicao, inicialmente coletiva, do CDI, foi dada a
seguinte instruo: Vocs iro responder este questionrio. Observem que eles
tm trs opes; escolham uma delas e marquem com um X aquela que vocs
escolheram. No deixem nenhuma pergunta sem ser respondida, entenderam?20
Para a aplicao individual do CDI, foi dada a seguinte
instruo: Eu vou ler algumas questes que possuem trs opes de resposta;
voc dever escolher com qual delas voc mais se identifica e me dizer apenas
uma opo. Se no entender algo pode perguntar que eu explico ou leio
novamente. Alguma dvida?.
RESULTADOS
Para a apresentao dos resultados so levados em conta os
objetivos do presente estudo, que se referem avaliao da incidncia dos
sintomas depressivos, estabelecendo um comparativo com as questes
sciodemogrficas das crianas envolvidas na pesquisa.
A
Tabela 1 apresenta os dados demogrficos da amostra da escola pblica, com
sexo, idade e srie escolar. As idades variaram entre 7 e 11 anos, com uma mdia
de 8,13 anos e desvio padro de 1,2.
A Tabela 2 refere-se aos dados demogrficos
da amostra da escola privada, que apresentam idades entre 7 e 10 anos, com uma
mdia de 8,18 anos e desvio padro de 1,02.
A Figura 1 ilustra as idades distribudas em sries da
amostra da escola pblica, destacando que 25% das crianas com 7 anos esto na
1 srie; 15% com 8 anos e 2,5% com 11 anos esto na 3 srie; 17,5% das
crianas com 9 anos esto na 4 srie; e, finalmente, as crianas com 10 anos
representam 7,5% da amostra e tambm esto na 4 srie.
Como apresenta a Figura 2, agora referindo-se distribuio
das idades em srie da amostra da escola privada, tambm 25% das crianas com 7
anos esto na 1 srie; 17,5% das crianas com 8 anos esto na 3 srie; das
crianas com 9 anos, 2,5% esto na 2 srie e 10% na 4 srie; a maioria das
crianas da 4 srie possuem 10 anos, representando um percentual de 15%.
Como ilustra a Figura 3, na amostra da escola pblica, 15%
das crianas possuem sintomas depressivos (N=6); j como observa-se na Figura
4, na amostra da escola privada 5%
das crianas possuem sintomas depressivos (N=2).
Na Tabela 3, possvel observar que 83,3% das crianas da
escola pblica com sintomas depressivos so do sexo masculino; 33,3% possuem 7
e 8 anos, situados na 2 e 3 sries. Nas crianas com 10 anos no foi
observada a presena significativa de sintomas depressivos.
J na Tabela 4, que representa a amostra da escola privada, 100% das
crianas com sintomas depressivos so do sexo feminino, com idades de 7 e 8
anos, situadas na 1 e 3 sries.
Na Figura 5, que representa a amostra de crianas com sintomatologia
depressiva tanto da escola pblica como da privada, observa-se que o percentual
de meninos ainda permanece mais elevado, com 62%, enquanto que as meninas
representam 38% da amostra referida.
Em relao s respostas, da amostra total, emitidas pelas
crianas da escola pblica, tem-se que, destas crianas, 47,5% temem que coisas
ruins lhes aconteam; 45% das crianas se divertem somente com algumas coisas;
e 42,5% acreditam que possuem alguns aspectos negativos em sua aparncia.
Quando os dados das crianas de escola pblica com sintomas
depressivos so separadas, tem-se que, no que se refere opo de maior
gravidade, 83,3% expressaram que esto sempre cansados e sempre se sentem
sozinhos; 66,7% afirmaram que esto sempre tristes, que nada dar certo para
eles, e que sempre possuem dificuldades para dormirem noite; 50% das crianas
responderam que fazem tudo errado, que tudo de mau que lhes acontece por sua
culpa, e que sempre sentem-se preocupados; e 36% afirmaram que nada divertido
para elas, que possuem certeza que coisas terrveis lhes acontecero, e que no
podem ser to bons quanto outras crianas.
Na anlise das respostas emitidas pelas crianas da escola
privada, considerando-se a amostra total, observa-se que destas crianas, 50%
afirmaram que no tm certeza se as coisas daro certo para elas, e que temem
que coisas ruins lhes aconteam; 37,5% expressaram que se sentem sozinhas
muitas vezes, que se divertem na escola somente de vez em quando, e que no
fazem o que mandam com frequncia.
Separando-se as respostas emitidas no CDI pelas crianas com
sintomas depressivos da escola privada, verifica-se que destas crianas, no que
se refere opo de maior gravidade, 100% responderam que fazem tudo errado,
que se odeiam, que se acham feias, e que nunca fazem o que mandam; 50% afirmaram
que nada dar certo para elas, que no se divertem com nada, que so sempre
ms, tm certeza que coisas terrveis lhes acontecero, que tudo de mau que
lhes acontece por sua culpa, sentem vontade de chorar diariamente, sempre
sentem-se preocupadas, no gostam de estar com pessoas, sempre sentem-se
sozinhas, e que no podem ser to boas quanto as outras crianas.
A Tabela 5 refere-se pontuao mdia obtida no CDI.
Observa-se que a pontuao mdia da escola pblica foi de 10,15, enquanto que
na escola privada, cai para uma mdia de 7,18 pontos. A mdia da escola
pblica, somada ao seu desvio padro, confere com o ponto de corte (16)
utilizado nesta pesquisa, enquanto que na escola privada a mdia mais o desvio
padro (12,3), distancia-se significativamente do ponto de corte.
Para avaliar estatisticamente a relao das pontuaes
obtidas no CDI entre a escola pblica e a privada, foi utilizada a correlao
de Pearson. O resultado (r = 0,1) revela uma correlao direta muito fraca, ou
seja, no foram observadas correlaes significativas na pontuao do CDI entre
as escolas. Tambm no houve diferena significativa entre o CDI e idade (r =
-0,03).
A
correlao de Pearson tambm foi utilizada para avaliar possveis relaes entre
a pontuao no CDI e idade. Os resultados tanto da escola pblica (r = -0,03)
como da privada (r = -0,1), revelaram que no h correlaes significativas
entre sintomas depressivos e idade.
DISCUSSO
Verificou-se na populao estudada, que 15% das crianas da amostra da
escola pblica possuem sintomas de depresso, porquanto na amostra da escola
privada, o resultado fora de 5%.
Nota-se uma diferena no resultado entre as escolas,
apontando para diferenas scioeconmicas como um fator que pode interferir
sobre a sintomatologia da depresso infantil. H de se considerar a escassez de
estudos que abordam a influncia de questes scioeconmicas sobre a
sintomatologia depressiva. A escola pblica, na qual parte da amostra foi
composta, situa-se em uma regio perifrica bastante carente, favorecendo para
um nmero maior de estressores que podem desencadear os sintomas da depresso,
porm, somente em crianas que j possuam tal predisposio, assim como sugere
os apontamentos de Hankin e Abramson36 sobre um modelo cognitivo de
vulnerabilidade ao estresse.
Dos 15% de crianas com sintomas depressivos da escola pblica, 83,3%
so do sexo masculino, e apenas 16,7% do sexo feminino. Este dado confere com o
apresentado na literatura internacional por Hankin e Abramson36 de
que em meninos os sintomas da depresso infantil so mais frequentes antes da
adolescncia, j os sintomas depressivos em meninas intensificam-se no incio
da adolescncia. No estudo de Twenge e Nolen-Hoeksema37, observou-se
que nas meninas os sintomas depressivos tiveram seu pico aos 15 anos, enquanto
que nos garotos os sintomas permaneceram estveis; porm, estatisticamente no
houve dados significantes para que a diferena quanto ao gnero pudesse ser
estabelecida. Baptista38, relata que os fatores biolgicos parecem
desempenhar um importante papel, j que a diferena entre meninos e meninas
modificam-se na adolescncia.
Qualitativamente,
no que se refere diferena quanto ao sexo das crianas da escola pblica com
a sintomatologia depressiva, observou-se que grande parte dos meninos trabalham
com os pais para ajudarem nas despesas de casa; j no caso das meninas, o nico
discurso observado, foi o de que auxiliam nas atividades domsticas. Os
meninos, neste caso, possuem uma responsabilidade muito superior esperada
para sua idade.
Em
relao s idades das crianas com sintomas depressivos, a maioria situa-se
entre 7 e 8 anos, o que difere, em parte, das pesquisas na rea, denotando
necessidade de maiores investigaes, ou at mesmo, sugerindo que a
sintomatologia depressiva possa ocorrer mais cedo do observado at ento.
Os principais sintomas depressivos observados na amostra total da escola
pblica referem-se opo B de resposta e possui menor gravidade: sentimento
de medo (Eu temo que coisas ruins me
aconteam). Outro item com significativa frequncia foi o que se refere
autoimagem (Minha aparncia tem alguns
aspectos negativos). Destaca-se que alternativas como estas podem estar
associadas a padres scioculturais. Atualmente, questes como violncia,
principalmente nas grandes metrpoles, podem justificar, em parte, a resposta
do medo; o culto ao corpo, temtica contempornea, pode ser desencadeador de
respostas como aparncia com alguns aspectos negativos, e que no necessariamente,
caracterizem a sintomatologia depressiva. As opes que tiveram menor frequncia
foram Eu sinto vontade de chorar
diariamente, Eu me odeio. S
houve uma opo no respondida pelas crianas: Eu nunca fao o que me mandam.
Em
relao amostra total da escola privada, os principais sintomas depressivos
tambm referem-se opo B: pessimismo (Eu
no tenho certeza se as coisas daro certo para mim) e medo (Eu temo que coisas ruins me aconteam).
As opes de menor frequncia foram Eu estou
sempre triste, Eu me odeio, Eu sinto vontade de chorar diariamente
e Eu no gosto de estar com as pessoas.
Duas opes no obtiveram escolha: Eu
nunca me divirto na escola e Ningum
gosta de mim.
Os principais sintomas depressivos observados na escola
pblica, dentre as crianas que ultrapassaram o ponto de corte, foram sintomas
fsicos, relatados como cansao / fadiga (Eu
estou sempre cansado), sentimentos de solido (Eu sempre me sinto sozinho), de tristeza (Eu estou sempre triste), perturbaes no sono (Eu tenho sempre dificuldade para dormir
noite), pessimismo (Nada vai dar
certo para mim), sentimentos de desvalia (Eu fao tudo errado), sentimento de culpa (Tudo de mau que acontece por minha culpa), e preocupao (Eu me sinto sempre preocupado). Os
itens que no obtiveram nenhuma resposta foram: Eu sinto vontade de chorar diariamente, Eu sou feio, Eu nunca fao
o que me mandam. Em relao alta frequncia das respostas sobre o
cansao, durante a aplicao do inventrio, as crianas ao serem questionadas
sobre tal resposta, em sua grande maioria, respondiam que se cansavam, pois
trabalhavam com os pais, e no caso das meninas, porque tinham que limpar a
casa. Nestes casos, pode no haver, necessariamente, ligao com a
sintomatologia depressiva.
Dentre
as crianas da escola privada que ultrapassaram o ponto de corte, os principais
sintomas depressivos foram sentimentos de desvalia (Eu fao tudo errado, Eu me
odeio, Eu sou feio, Eu sou sempre mau (m), No posso ser to bom quanto outras
crianas), desobedincia / rebeldia (Eu
nunca fao o que me manda), pessimismo (Nada vai dar certo para mim, Eu
tenho certeza que coisas terrveis me acontecero), anedonia (Nada divertido para mim), culpa (Tudo de mau que acontece por minha culpa),
choro (Eu sinto vontade de chorar
diariamente), sentimento de preocupao (Eu me sinto sempre preocupado), sentimento ambivalentes no que se
refere ao estar s (Eu no gosto de
estar com as pessoas, Eu sempre me
sinto sozinho). Os itens que no obtiveram nenhuma resposta foram: Eu estou sempre triste, Eu estou sempre cansado, Eu nunca me divirto na escola, e Ningum gosta de mim.
Os
sintomas apresentados pelas crianas que ultrapassaram o ponto de corte
conferem com a maioria dos sintomas descritos na pesquisa de Cruvinel23.
A autora relata que os principais sintomas depressivos observados em sua
pesquisa foram os de culpa, solido, tristeza, pessimismo e choro. Na presente
pesquisa, a questo do choro s esteve presente nas crianas da escola privada,
sendo que nas crianas da escola pblica, esta questo no foi mencionada.
Nesse sentido, pode-se supor que estas crianas possuem maior dificuldade para
expressarem suas emoes, o que pode justificar a alta frequncia da resposta
sobre a tristeza; em contrapartida, nas crianas da escola particular, a
questo do sentimento de tristeza foi pouco frequente.
O
sentimento de solido, que foi mencionado em ambas as escolas, pode ser
associado ao prejuzo nas relaes interpessoais, caracterstico da
sintomatologia depressiva. Andriola e Cavalcante25, explicam que
crianas deprimidas tendem a serem socialmente passivas, pois acreditam que
sero punidas ou rejeitadas se forem mais ativas.
Em relao s mdias obtidas na pontuao do CDI, o fato da
mdia da escola pblica, somada ao seu desvio padro, conferir com o ponto de
corte (16), e mdia da escola privada, mais o desvio padro (12,3),
distanciar-se significativamente do ponto de corte, pode sugerir que, na
amostra da escola pblica, as crianas com sintomas depressivos esto mais
prximas realidade da amostra total, enquanto que as crianas com sintomas
depressivos da escola privada, destoam acentuadamente da maioria das crianas
da amostra geral.
Quanto
verificao estatstica desta pesquisa, os resultados foram semelhantes aos
da pesquisa de Cruvinel23 no que se refere ao CDI e idade; em ambas
as pesquisas no foram encontradas relaes significativas entre estas
variveis. Isto sugere a necessidade de estudos mais amplos que possam
assegurar tais resultados.
Na correlao estabelecida para
verificar as possveis relaes da pontuao do CDI obtida entre as duas
escolas, o resultado revela uma correlao direta muito fraca (r = 0,1), ou
seja, de maneira geral as pontuaes elevadas ocorrem tanto na escola pblica
como na escola privada. Apesar da mdia de pontos da escola pblica ser maior
que a mdia apresentada na escola privada, tal diferena no se apresenta
quantitativamente significativa, mas sim qualitativamente relevante. Tal fato
deve-se ao fato de que, mesmo que a incidncia de sintomas depressivos tenha
sido maior na escola pblica, as crianas com sintomas depressivos da escola
privada obtiveram uma pontuao bastante elevada, o que contribui para a
correlao ser direta. De maneira geral, no foram observadas correlaes
significativas na pontuao do CDI entre as escolas.
Na aplicao do CDI, observou-se que muitas crianas, especialmente as
de 7 e 8 anos, apresentaram dificuldades na interpretao de alguns itens deste
instrumento, exigindo que sua aplicao fosse individual. A dificuldade mais
clara foi a de compreender o que significam os termos frequentemente, de vez
em quando e ҈s vezes; as expresses normalmente, aspectos negativos,
temo e diariamente tiveram que ser substitudas por substantivos de
compreenso mais fcil. Golfeto et al.26, observaram em sua pesquisa
semelhantes dificuldades de compreenso por parte das crianas, principalmente
no que se refere s idades de 7 e 8 anos e aos termos frequentemente, de vez
em quando e ҈s vezes.
Pereira39, ao verificar a validade e a preciso da Escala de
Avaliao de Depresso para Crianas, desenvolveu uma anlise semntica dos
itens, constatando a necessidade de reformular alguns itens e a excluso de um
item que foi considerado inadequado, pois as crianas estavam compreendo-o
indevidamente. Os itens da escala utilizada pela autora possuem semelhanas com
o CDI, e um dos itens que houve grande dificuldade de compreenso e que
assemelha-se bastante ao item do CDI foi Eu
me sinto sozinho, sendo reformulado para Eu me sinto abandonado.
Para
garantir maior credibilidade aos resultados da presente pesquisa, diante do que
foi supracitado, vale ressaltar que a aplicao do CDI foi feita
individualmente. Este procedimento, tambm favoreceu a captao de aspectos
qualitativos da pesquisa.
CONSIDERAES FINAIS
Existem
poucas pesquisas destinadas compreenso da sintomatologia depressiva em
crianas, como tambm instrumentos pouco adequados realidade brasileira. No
Brasil no h um estudo epidemiolgico que fornea informaes mais precisas
sobre a incidncia da depresso infantil.
importante salientar que o Inventrio de Depresso
Infantil (CDI) verifica a presena da sintomatologia da depresso infantil, mas
no a diagnostica. Mesmo sendo um inventrio frequentemente utilizado,
verificou-se a necessidade de adaptaes mais precisas realidade brasileira.
Foram detectadas 15% de crianas com sintomas depressivos na
escola pblica, e os principais sintomas observados foram os de fadiga,
solido, tristeza, perturbao do sono, pessimismo, sentimento de menos valia,
sentimento de culpa e preocupao. Na escola privada, h incidncia de 5% de
crianas com sintomas depressivos, e os principais sintomas detectados foram
sentimentos de menos valia, desobedincia / rebeldia, pessimismo, anedonia,
culpa, choro, preocupao e solido. H diferenas sintomatolgicas apresentadas
entres as escolas, principalmente a questo do choro e a da no obedincia. As
crianas da escola privada reportam-se como sendo muito desobedientes, enquanto
que as crianas da escola pblica nem mencionam este item. Este tema deve ser
melhor investigado para generalizaes mais consistentes, assim como a questo
do choro deve ser melhor investigada, como foi mencionado na discusso dos
resultados.
Quanto diferena de incidncia de sintomas depressivos
observados entre as escolas, faz-se necessrio investigaes mais amplas que
possam abordar com mais preciso as interferncias scioeconmicas sobre a
sintomatologia depressiva. Contudo, esta pesquisa aponta fortemente para
fatores sociais como desencadeadores dos sintomas depressivos em crianas.
Fatores educacionais, relacionados diretamente a elementos
scioculturais interferiram na aplicao literal do CDI, mostrando a
necessidade de um aprimoramento do instrumento em seus procedimentos de
aplicao.
De maneira geral, este estudo demonstra, como j foi abordado em outras
pesquisas, que os sintomas da depresso podem ser observados na infncia, como
tambm aponta a necessidade de pesquisas que possibilitem um maior
esclarecimento sobre a sua manifestao e sobre a probabilidade dos fatores
sociais serem um dos desencadeadores da depresso. As pesquisas nesse sentido
so fundamentais para os profissionais da rea e para os pais dessas crianas,
uma vez que oferece maior possibilidade de reconhecimento precoce dos sintomas
e, consequentemente, maior possibilidade de amenizao do quadro depressivo. Os
sintomas depressivos, se ainda no oferecem dados suficientes para
caracterizao de um quadro clnico, oferecem indcios de que a criana est
sofrendo e que, se nada for feito, o quadro pode ser agravado, principalmente,
com a chegada da adolescncia.
AGRADECIMENTOS
Trabalho
realizado com Apoio PIBIC – UnG.
REFERNCIAS
1. Rodrigues MJSF. O diagnstico
da depresso. Psic USP. 2000; 11(1),155-87.
2. Bahls
SC. Aspectos
clnicos da depresso em crianas e adolescentes. J Pediatr (Rio J.). 2002; 78(5):
359-66.
3. World Health Organization
Depression. [online]. 2004. [Capturado 20 fev. 2004]. Disponvel em:
www.who.int/mediacentre.
4. Kehl MR. Uma existncia sem
sujeito. Folha SP. [on line]. 2003 Jan. [Capturado
20 fev. 2004]. Disponvel em: www.folha.uol.com.br
5. Miller JA. O livro de
referncia para a depresso infantil. So Paulo: M Books; 2003.
6. Kaplan HI, Sandock BJ, Grebb
JA. Compndio de psiquiatria: Cincias do comportamento e psiquiatria clnica.
7 ed. Porto Alegre: Artes Mdicas; 1997.
7. Organizao Mundial da Sade.
Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamentos da CID-10. Porto
Alegre: Artes Mdicas; 1993.
8. Associao de Psiquiatria
Americana. Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais. 4 ed.
Porto Alegre: Artes Mdicas; 2000.
9. Porto JAD. Depresso: Conceito
e diagnstico. Rev Bras Psiq. 1999; 21(1):6-11.
10. Spitz RA. O primeiro ano de
vida. So Paulo: Martins Fontes; 1979.
11. Rodrquez RJ. El sndrome depresivo en el nio y en el adolescente. Salud Adolesc. 1999; 1(1):83-8.
12. Ajuriaguerra J. Manual de
Psiquiatria Infantil. 2 ed. Rio de Janeiro: Masson do Brasil; 1980.
13. Klein
M. Contribuies psicanlise. So Paulo: Mestre Jou; 1948.
14. Winnicott DW. Tudo
comea em casa. So Paulo: Martins Fontes; 1989.
15. Freud S. Luto e melancolia. In: Freud S. Edio Eletrnica Brasileira das Obras Completas de
Sigmund Freud - vol 14 [CD ROM]. So Paulo: Imago; 1989.
16. Costa JP. A clnica psicanaltica das psicopatologias
contemporneas. Porto Alegre: Artmed; 2010.
17. Shafii M, Shaffi SL. Clinical Manifestations and Developmental
Psychopathology of Depression. In Clinical Guide to Depression in Children and
Adolescents. Washington: American Psychiatric Press; 1992. p. 3-42.
18. Sandler J, Joffe WG. Notes on childhood depression. Internat J Psychoan. 1965; 46(1):88-96.
19.
Assumpo FB. Depresso na infncia. Pediat Mod. 1992; 28:323-8.
20. Coutinho MPL. Uso de tcnicas
projetivas na apreenso de representaes sociais da sintomatologia da
depresso infantil [tese de doutorado]. So Paulo: Instituto de Psicologia,
Universidade de So Paulo; 2000.
21. Bandim JM, Sougey EB, Carvalho
TFR, Barbosa GA, Fonseca L. Depresso na
infncia: epidemiologia e aspectos clnicos. Neurob. 1996;
59(1):1-12.
22. Faria LM. Para entender
a relao escola-famlia: Uma contribuio da histria da educao.
SP Persp. 2000; 14(2):44-50.
23. Cruvinel M. Depresso infantil, rendimento escolar e
estratgias de aprendizagem em alunos do ensino fundamental [dissertao de mestrado].
Campinas: Universidade Estadual de
Campinas; 2003.
24. Bandim JM, Roazzi A, Domnech
E. Rendimento
escolar em crianas com sintomas depressivos. J Brasil Psiquiat.
1998; 47(7):60-6.
25. Andriola WB, Cavalcante LR. Avaliao da
depresso infantil em alunos da pr-escola. Psicol Reflex Crit.1999;
12(2):419-28.
26. Golfeto JH, Veiga MH, Souza L,
Barbeira C. Propriedades
psicomtricas do inventrio de depresso infantil (CDI) aplicado em uma amostra
de escolares de Ribeiro Preto.
Rev Psiq Cln. 2002; 29(2):66-70.
27. Barbosa GA, Lucena A. Depresso
infantil. Infan Rev de
Neurop da Inf e Adolesc. 1995; 3(2):23-30.
28. Coutinho MPL, Moreira ASP, Jacquemin A. A sintomatologia
da depresso infantil na representao social. In: Resumos e programas do II
Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Rorschah e outros mtodos
projetivos; 2000; Porto Alegre. Rio Grande do Sul: AGE; 2000. p. 98.
29. Nakamura E, Santos JQ. Depresso
Infantil: Abordagem antropolgica. Rev Sade Publ. 2007; 41 (1):
53-60.
30.
Cruvinel M, Boruchovitch E. Depresso
infantil: uma contribuio para a prtica educacional. Psic
Esc Educ. 2003; 7(1): 77-84.
31.
Cruvinel M, Boruchovitch E. Sintomas
Depressivos e Ambiente Familiar. Psic em Pesq – UFJF. 2009;
3(1): 87-100.
32. Cassorla, RMS. Comportamentos
suicidas na infncia e adolescncia. J Brasil Psiq. 1987;
36(3):137-44.
33.
Cruvinel M, Boruchovitch E, Santos AAA. Inventrio de
Depresso Infantil (CDI): anlise dos parmetros psicomtricos.
Fractal: Rev Psic. 2008; 22(2), 473-90.
34. Wathier JL, DellAglio DD,
Bandeira, DR. Anlise
fatorial do Inventrio de Depresso Infantil (CDI) em amostra de jovens
brasileiros. Aval Psic. 2008; 7(1):75-84.
35. Coutinho MPL, Carolino ZCG,
Medeiros ED. Inventrio de
Depresso Infantil (CDI): Evidncias de validade de constructo e consistncia
interna. Aval
Psic. 2008; 7(3):291-300.
36. Hankin BL, Abramson LY. Development
of gender differences in depression: An elaborated cognitive vulnerability-transactional
stress theory. Psyc Bullet. 2001; 127(6):773-96.
37. Twenge
JM, Nolen-Hoeksema S. Age, gender,
race, socioeconomic status, and birth cohort differences on the Childrens
Depression Inventory: A meta-analysis. J
Abnor Psyc. 2002; 111(4):578-88.
38. Baptista MN. Depresso na
adolescncia: Uma viso multifatorial. So Paulo: EPU; 1999.
39.
Pereira DAP. Escala de Avaliao de Depresso para Crianas: Um estudo de validao
[dissertao de mestrado]. Campinas: Pontifcia Universidade Catlica de
Campinas; 2002.
* Giovana Viveiros
Fernandes - Graduada em Psicologia pela Universidade Guarulhos.
** Paulo Francisco de
Castro - Professor orientador. Professor Adjunto do Curso de Psicologia da
Universidade Guarulhos e Professor Assistente Doutor do Departamento de
Psicologia da Universidade de Taubat. e-mail: pcastro@prof.ung.br