RELAÇÃO ENTRE ESTRESSE LABORAL E PERSONALIDADE ENTRE PROFISSIONAIS DA AREA DE SAÚDE

relation between WORK stress and personality among health care workers

 

Assunção RM* & Castro PF**

 

RESUMO: O objetivo do presente estudo foi verificar se existe relação entre estresse e personalidade entre trabalhadores da área da saúde. O trabalho nos dias de hoje, parece ser um importante fator gerador de estresse. O presente estudo permite uma reflexão diante desse fenômeno para que haja a possibilidade de diminuí-lo ao longo do tempo. Foram contatados 70 sujeitos, entre 20 e 50 anos, profissionais atuantes na área de saúde, de ambos os sexos. Esses, responderam a um questionário e foram submetidos à Escala de Vulnerabilidade ao Estresse Profissional (EVENT), segundo as especificações técnicas do mesmo. Os dados da EVENT permitiram selecionar 30 profissionais, sendo 15 com vulnerabilidade ao estresse e 15 sem a mesma vulnerabilidade, para aplicação do teste da Casa-Árvore-Pessoa-(HTP) e verificação de componentes da personalidade. Os resultados visaram possibilitar maior compreensão a fatores relacionados com o estresse no trabalho em profissionais, assim como identificou fatores de maior relevância neste âmbito. Os aspectos psicológicos ligados ao estresse são constantemente debatidos e estudados no meio científico, no sentido de uma maior compreensão desse importante fenômeno humano que atinge cada vez mais a população e neste trabalho observou-se que os maiores índices de vulnerabilidade ao estresse associam-se a características no manejo de enfrentamento a situações conflituosas sejam elas no ambiente familiar ou mesmo no ambiente profissional.

PALAVRAS CHAVE: Estresse. Avaliação. Psicológica. Profissional da área de saúde.

 

ABSTRACT: The purpose of this study was to determine if there are relation between stress and personality among healthcare workers. The work these days seems to be a major cause for stress in this study allows a reflection on this phenomenon, there is the possibility of decreasing it over time. 70 subjects were contacted between 20 and 50 years old, professionals involved in the health of both sex. These participants completed a brief questionnaire and underwent Scale Vulnerability to Stress Training (EVENT), according to the specifications technical of the same. The data allowed to select EVENT 30 professionals, 15 with vulnerability to stress and 15 without the same vulnerability to test application House-Tree-Person (HTP) and verification of components of personality. The results were intended to enable greater understanding of factors associated with stress at work as well as professionals, have identified factors most relevant in this context.The psychological aspects related to stress are constantly debated and studied in science, towards a greater understanding of this important human phenomenon that affects more and more people and this study showed that the highest levels of vulnerability to stress are associated with the handling characteristics of confrontation to conflict whether in the family environment or even in the professional.

KEYWORDS: Stress. Psychological Assessment.  Healthcare workers.

 

INTRODUÇÃO

            Justifica-se a escolha do presente tema, por ser o estresse considerado como “Mal do século”, como uma epidemia semelhante àquelas que em épocas como a idade media dizimou populações.

            O trabalho nos dias de hoje parece ser um importante fator gerador de estresse. Dentro de um ambiente laboral é de suma importância aprender a enfrentá-lo, de forma que ele venha a se tornar positivo, trazendo benefícios individuais e coletivos.

            Segundo a Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes1 estresse é a segunda causa de afastamento do trabalho, no Brasil, é uma doença ocupacional: as afecções musculares esqueléticas relacionadas ao trabalho, fatores de risco psicossociais podem desencadear estresse, estendido como uma reação complexa com componentes físicos e psicológicos, resultantes da exposição a situações que excedem os recursos de enfrentamento da pessoa1.

            O presente artigo é constituído por informações sobre o estresse profissional nos trabalhadores da área da saúde, permitindo uma reflexão diante desse fenômeno para que haja a possibilidade de diminuí-lo ao longo do tempo e pode contribuir para os profissionais de saúde, no que tange à identificação e tratamento, mas também à comunidade em geral que poderá usufruir de melhores condições de atendimento na área de saúde.

 

UMA REFLEXÃO DO PSÍQUISMO SOBRE ATIVIDADE LABORAL

 

            O modelo de homem e de subjetividade de origem psicanalítica pode ser utilizado na psicopatologia do trabalho. Tal modelo fica subjacente a levantamentos e ao trabalho  de interpretar o exposto das contradições e anomalias no coletivo apresentado por trabalhadores. Um dos eixos de interpretação está justamente representado pelo sujeito no ambiente do trabalho e pode  reprimir, conter ou aprisionar, esta cena, vinculado ao mundo do trabalho2.

            Dejours2 relata que, o fator central observado no sofrimento e no prazer possui sua origem única na relação com o inconsciente; Na interação entre pré-consciente e inconsciente é onde se negociam as relações de prazer, de sofrimento, de desejo ou de saúde mental, referindo-se à psicossomática, interferindo até mesmo na saúde física do sujeito.

Ainda segundo Dejours2, a psicopatologia não é nem um pouco assimilável à sua etiologia, e a palavra é o mediador privilegiado desta relação que é trabalhada na psicopatologia do trabalho. Assim é necessário compreender a fala, não como uma série de palavras, mas como um ato implicado no ato de pensar.

 

TRABALHO E HOMEOSTASE LABORAL

 

            Para Dejours2, os estudos em psicopatologia do trabalho ignoram, quase sempre, o que constitui o medo em trabalhadores e suas dimensões. A psicopatologia do trabalho está bem capacitada para ressaltar esta problemática nova, na medida em que constitui uma abordagem específica da relação do homem com sua realidade, sendo assim o medo está presente em todos os tipos de ocupações profissionais, inclusive nas tarefas repetitivas e nos trabalhos de escritórios, em que pode aparecer de maneira mais discreta, porém presente.

            O problema do medo ou aflição no trabalho surge da oposição entre a natureza coletiva e o material do risco residual, associado à natureza individual e psicológica da prevenção de cada instante de trabalho. O risco confirmado pelos acidentes já ocorridos no qual o sujeito é fonte de uma ansiedade especifica, pode estar ligado internamente a cada cargo ou função do trabalhador.

            A impressão dolosa de que se deve ter este medo para o trabalhador é assumida individualmente, e assim elabora defesas específicas em relação a este medo. Com a elaboração das defesas de cada sujeito é que se evidenciará o quanto foi eficaz, e quando isto ocorre para o pesquisador será necessário procurar pelos sinais indiretos que são estes os sistemas defensivos para encontrar o medo no discurso do trabalhador2.

            Os autores ainda relatam que, quando o trabalho, no aparelho psíquico, opõe-se à livre atividade do sujeito, pode torna-se perigoso. O bem estar, em matéria de carga psíquica, não advém só da ausência de funcionamento, mas pelo contrário, de um livre funcionamento, articulado dialeticamente com o conteúdo da tarefa; expresso, por sua vez, na própria tarefa e revigorado por ela. E em termos econômicos, o prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa desencadeia, o que corresponde a uma diminuição da carga psíquica pessoal; se um trabalho permite a diminuição da carga psíquica, ele é equilibrante, mas se ele se opõe a essa redução, torna-se fatigante, sendo assim fonte de desprazer, de tensão psíquica que cresce até que surja a fadiga, e a partir daí a patologia laboral2.

            Um trabalho dentro de um enfoque equilibrante, sendo livremente escolhido ou livremente organizado, oferece vias de descarga mais adaptadas às necessidades do individuo, tornando-se um meio de relaxamento, em algumas vezes a tal ponto que uma vez a tarefa terminada, o trabalhador se sente melhor por  tê-la começado; em geral é o caso do artista, do pesquisador ou do cirurgião quando estão satisfeitos com seu trabalho. Este é caso do trabalho que reverte em proveito da homeostase do trabalhador.

 

DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO ESTRESSE

           

            As primeiras referências à palavra “stress” significando “aflição” e “adversidade”, datam do século XIV, mas seu uso era esporádico e não sistemático. No século XVII, o vocábulo, que tem origem no latim, passou a ser utilizado em inglês para designar “opressão”, desconforto e adversidade. Na área da engenharia mostraram que as características das cargas tinham que ser consideradas na escolha do material para a construção de pontes e outras estruturas. A analogia com ser humano foi ventilada, uma vez que também as pessoas conseguem lidar melhor com um tipo ou outro de peso e variam na sua habilidade de suportar carga emocional ou não. Assim, a utilização do termo “stress” nas áreas das ciências e humanas passou a ser encontrada3.

            Segundo Lipp3, a definição de estresse é uma reação do organismo, com componentes físicos e psicológicos, frente a uma situação em que o sujeito se confronte com determinada situação que o amedronte, irrite, excite ou confunda ou mesmo o faça imensamente feliz, na qual ocorre uma reação psicofisiológica. O estresse está conceitualizado não como uma reação, e sim um processo, pois no momento em que o sujeito submeter-se a uma fonte de estresse, um processo se instala, podendo ser um processo bioquímico (taquicardia, sudorese em excesso e tensão musculares, boca seca, e sensação de estar em alerta); após este início fisiológico poderá ocorrer, de acordo com as pré-disposições de cada sujeito, manifestações diferentes, potencializando assim a fragilidade e o enfraquecimento que pode decorrer de situações pós-traumáticas ou patologias crônicas.

 

GERADORES E as variações do ESTRESSE

            Segundo Lipp3 diante da quebra da homeostase interna, exigindo que o organismo se adapte, pode ser desencadeado um evento estressor, diante de uma determinada situação (o sujeito que se envolve em um acidente, por exemplo, ou mesmo uma situação na qual receba uma promoção) que gera um desgaste e poderá se transformar em um processo de estresse. Todas as situações sejam de origem positiva ou não, poderão gerar adaptações ou mudanças, assim ocorrerá a presença de estressores, este processo pode ser tanto interno como externo, sendo necessário distinguir seus estressores.

            Segundo Selye4, o estresse é um componente normal do funcionamento do corpo e corresponde à consciência de viver. O autor emprega dois termos separados, eustress e distress, mas esclarece que as reações químicas subjacentes são iguais. O termo eustress do latim eu refere-se às consequências positivas das experiências vividas pelo indivíduo. O termo distress, com o prefixo latino dis, refere-se à dissonância ou desacordo e relaciona-se à fase negativa e de aflição.

            Bohalander5 define estresse, como um resultado de uma exigência feita ao sujeito, que o obrigue a lidar com um comportamento ou ação no limite, sendo originado por duas fontes, atividade física e atividade mental e emocional, tendo como reação física do corpo a ambos os tipos de estresse. Do ponto de vista bioquímico as duas formas de reação serão as mesmas, porém sendo interpretadas de maneira positiva ou negativa por psicólogos.

            Segundo Bohalander5 o eustresse seria o estresse positivo que pode vir acompanhado de uma realização e a euforia, o eustresse é considerado uma força benéfica que nos impulsiona contra os obstáculos. Podendo ser o estresse de atingir uns desafios, como por exemplo: em cargos gerenciais, técnicos ou contato com o público. Porém, seria um estresse negativo e prejudicial o distresse ou angústia, sendo originado com a sensação de desamparo e frustrações transformando o estresse em distresse. Bohalander5 ainda nos diz que embora o corpo experimente certo grau de estresse, sendo ele, eustresse ou  distresse, em todas as situações, a preocupação maior será com o estresse relacionado ao ambiente de trabalho.

            Para Robbins6, o estresse é uma condição dinâmica na qual um indivíduo é confrontado com uma oportunidade, limitação ou demanda em relação a alguma coisa que ele deseja e cujo resultado é percebido, simultaneamente, como importante e incerto.

            França7 pôde perceber em estudos que, quando se submete um organismo a estímulos que ameacem sua homeostase, ou seja, seu equilíbrio orgânico, ele tende a reagir com um conjunto de respostas específicas, que constituem uma síndrome, que é desencadeada independentemente da natureza do estímulo, denominando assim o estresse.

            França7, ainda nos diz que podemos atualmente compreender melhor o fenômeno estresse, sabendo que ele em si, não sendo bom nem ruim, e ainda sendo impossível é indesejável erradicá-lo. Ao contrário, ele pode ser um recurso importante e útil para uma pessoa fazer frente ás diferentes situações de vida que ela enfrenta em seu cotidiano. Sendo que a resposta ao estresse surge, ou é ativada pelo organismo, com objetivo de mobilizar recursos os quais possibilitem ao sujeito enfrentar situações, as mais variadas, que são percebidas como difíceis e que exige deste sujeito, esforço.

            Assunção, Castro8, realizaram a análise dos dados gerais e técnicos sobre a produção científica relacionada ao estresse no trabalho, com ênfase nas estratégicas de avaliação psicológica empregada nos estudos realizados. Foram levantados 105 textos obtidos a partir da busca pela combinação de duas palavras-chave: “avaliação” e “estresse no trabalho”, nas bases de dados PsycInfo (Psychological Information of American Psychological Association) e BVS-PSi (Biblioteca Virtual de Saúde); destes, 12 foram excluídos da análise por tratarem de elementos fisiológicos e anatômicos do estresse.

Após análise dos dados dos 93 textos restantes observou-se que a maioria dos textos foi publicada na forma de artigos de periódicos científicos (63,44% - N=59), seguida por capítulos de livros (22,58% - N=21) catalogados nas duas bases de dados estudadas. No que se refere ao ano de publicação dos trabalhos, houve maior incidência em 2006 (10,75% - N=10) e 1996 (9,68% - N=19), o período de menor número de publicações foi meados da década de 80 e início dos anos 90. Quando o idioma do texto foi verificado, observou-se que prevaleceram as publicações em inglês (94,62% - N=88), possivelmente pelas bases de dados investigadas.

A maior parte dos textos tratava de pesquisas com delineamento empírico (72,04% - N=67), utilizando diferentes estratégias de coleta de dados. A maior parte dos estudos foi realizada com sujeitos adolescentes e adultos, perfazendo 39,79% (N=37) dos trabalhos.

Ao analisar os instrumentos aplicados para a coleta de dados, observou-se a utilização de escalas e inventários diversos (39,79% - N=37), seguidos pelo uso de instrumentos variados de avaliação (22,58% - N=21), sem uma especificidade para um determinado teste psicológico. Além das informações já expostas, foi realizado um levantamento do aspecto de investigação exposto no texto, após a leitura o material foi catalogado em seis categorias para agrupamento dos objetivos e conclusões: a maior parte dos estudos tratou sobre alguma estratégia de avaliação do estresse laboral e descrição de diferentes recursos de enfrentamento para os estressores do trabalho (41,94% - N=39); em seguida, observaram-se trabalhos que estudavam e descreviam diferentes fatores desencadeantes de estresse profissional, considerando-se o ambiente de trabalho, elementos pessoais ou a integração de ambos (20,43% - N=19); outro componente que recebeu atenção dos textos foi o estresse em trabalhadores da área de saúde, fato decorrente do alto índice de situações de estresse funcional nesse grupo, pelo fato de absorverem, de certa forma, as tensões dos outros indivíduos em sua atuação profissional (11,83% - N=11); por fim, a menor incidência de estudos centrou-se nas pesquisas e reflexões sobre estresse pós-traumático (9,68% - N= 9); trabalhos relacionados à Síndrome de Burnout (8,60% - N=8) e algum tipo de relação entre estresse e estrutura familiar (7,52% - N=7)8.

 

OBJETIVO

            O objetivo do presente estudo foi verificar a relação entre estresse e personalidade em trabalhadores da área da saúde.

 

MÉTODO 

Participantes 

            Foram contatados 70 sujeitos, entre 20 e 50 anos, profissionais atuantes na área de saúde, de ambos os sexos. Esses colaboradores responderam a um breve questionário e foram submetidos à Escala de Vulnerabilidade ao Estresse Profissional (EVENT), segundo as especificações técnicas do mesmo.

            Os dados da EVENT permitiram selecionar 30 profissionais, sendo 15 com vulnerabilidade ao estresse e 15 sem a mesma vulnerabilidade, para aplicação do teste da Casa-Árvore-Pessoa (HTP) e verificação de componentes da personalidade.

           

Instrumentos 

Questionário

            O questionário utilizado foi um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas que deveriam ser respondidas por escrito e poderiam ser sem a presença do entrevistador9.

            A entrevista padronizada ou estruturada é aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido. É um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados. A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma relação de natureza profissional. Trata-se, pois de um diálogo efetuado de maneira metódica. Tem como objetivo principal à obtenção de informações do entrevistado, sobre determinado assunto ou problema. É importante instrumento de trabalho nos vários campos das ciências sociais9.

            Segundo Lakatos e Marconi9, a pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. O interesse da pesquisa de campo está voltado para o estudo de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e outros campos, visando à compreensão de vários aspectos da sociedade.  

 

Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (EVENT) 

            A Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (EVENT) avalia o quanto as circunstâncias do cotidiano do trabalho influenciam a conduta da pessoa, a ponto de caracterizar certa fragilidade10.

            O instrumento relaciona-se com medidas de estresse, e grupos profissionais podem se diferenciar em relação à intensidade com que percebem sua vulnerabilidade. O instrumento é destinado a pessoas de 17 a 54 anos. A EVENT pode ser aplicada tanto individualmente quanto coletivamente, em grupos de 60 pessoas, no máximo10.

 

Desenho da Casa-Árvore-Pessoa (HTP)

 

            O HTP, técnica projetiva de desenho da Casa-Árvore-Pessoa (House-Tree-Person) para obter informações sobre como uma pessoa experiencia sua individualidade em relação aos outros e ao ambiente do lar. Como todas as técnicas projetivas, o H-T-P estimula a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflito dentro da situação terapêutica, permitindo que eles sejam identificados com o propósito de avaliação e usados para o estabelecimento terapêutico efetivo11-12.

 

Procedimento

            A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Guarulhos sob o nº SISNEP/394-2009, segundo a resolução CNS 196/96- parecer n° 12/2009. O contato foi feito com os profissionais da área da saúde mantido nas instituições, onde os profissionais foram convidados a participar da presente pesquisa.

            Procedeu-se a aplicação do questionário, aos componentes da amostra, que versava sobre o tempo de atuação dos mesmos na área da saúde e os motivos que os levaram a optar por esta área.

            Foi aplicado o questionário em profissionais da área da saúde com idade entre 20 e 50 anos, de ambos os sexos. A aplicação do questionário ocorreu na própria instituição a todos os presentes e que consentirem sua participação por meio do termo de consentimento livre e esclarecido, durante o horário de início ou término de plantão, horários de intervalo.

            E após a entrevista foram convidados 70 profissionais para aplicação da EVENT. A partir dos resultados obtidos na escala foram selecionadas 15 com vulnerabilidade ao estresse e 15 sem vulnerabilidade ao estresse, que foram submetidas ao teste HTP.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

            A pesquisa foi desenvolvida no período de fevereiro de 2009 a janeiro de 2010, em que foi utilizado um questionário para os dados sóciodemográficos e a aplicação da Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho – EVENT. Os dados foram organizados aos sujeitos com vulnerabilidade e sem vulnerabilidade ao estresse e aplicou-se o teste H.T.P.

            Participaram da aplicação do questionário e EVENT, 70 colaboradores. Na EVENT, os dados foram os seguintes: 27,14% apresentaram indicadores elevados de vulnerabilidade ao estresse e 17,14% indicaram valores médio superiores; por outro lado, 27,14% apresentaram indicadores rebaixados de vulnerabilidade ao estresse e 25,71% com percentis com classificação médio inferiores; apenas 2,85% dos participantes apresentaram escores médios quanto à vulnerabilidade ao estresse.

 

 

 

            Pode-se identificar, nesta amostra, que a maioria absoluta dos participantes indicou alta ou baixa vulnerabilidade ao estresse no trabalho, apenas um pequeno número de profissionais da saúde indicou índices médios quanto ao construto avaliado.

            Além destes dados foi possível verificar que há um grande número de profissionais com alta vulnerabilidade ao estresse no trabalho, esse quadro é predominantemente decorrente de elementos voltados ao clima e funcionamento organizacional, ou seja, das relações que são estabelecidas no ambiente profissional como esquemas funcionais e hierárquicos, além de elementos da rotina de trabalho, responsabilidades cotidianas assumidas pelos profissionais e exigências que se desenvolvem nas funções cotidianas.

            Em se tratando de clima e funcionamento organizacional foi considerado com classificação superior em 94,73% (N=18) dos colaboradores, elemento que trata das relações que são estabelecidas no ambiente profissional como esquemas funcionais e hierárquicos, além de elementos da rotina de trabalho, responsabilidades cotidianas assumidas pelos profissionais e exigências que se desenvolvem nas funções cotidianas.

            Pressão no trabalho com escores superiores em 73,68% (N=14) dos profissionais, aspectos que consideram as pressões que esses profissionais sofrem em suas atividades funcionais, tanto no que se refere às tarefas desenvolvidas quanto aos contatos que vivenciam em sua rotina de trabalho.

            Infraestrutura no trabalho com valores superiores em 57,89% (N=11) dos sujeitos, item que avalia o conjunto de recursos que o local de trabalho dispõe para a realização das funções dos profissionais da área da saúde, além do espaço físico destinado às atividades profissionais e de convívio.

 

Tabela 1. Relação entre escolha profissional e vulnerabilidade ao estresse.

Motivo da Escolha

Vulnerabilidade

Alta

Vulnerabilidade

Média

Vulnerabilidade

Baixa

N

%

N

%

N

%

Ajudar o próximo

13

41,93

1

3,24

17

54,83

Identificação com a área da saúde e escolha pessoal

15

50,00

1

3,24

14

46,66

Interesse e objetivos financeiros

3

50,00

-

-

3

50,00

Escolha ou influência familiar

4

66,66

-

-

2

33,33

Falta de opção

3

100,00

-

-

-

-

Doença na família

-

-

1

33,33

2

66,66

Por acaso

1

50,00

-

-

1

50,00

Não responderam à questão

3

75,00

-

-

1

25,00

 

            Diante do exposto foi possível observar que quando a escolha profissional pela área da saúde centrou-se no auxílio ao próximo, houve menor incidência de vulnerabilidade ao estresse, indicando que os profissionais com uma atitude principalmente altruísta e com foco no outro tendem a desenvolver seu trabalho de maneira mais saudável. Quando o motivo da escolha pela área da saúde foi pessoal, com foco em si mesmo, os escores de vulnerabilidade ao estresse foram bastante semelhantes e não conclusivos. Assim, é possível observar que os motivos da escolha por profissões em saúde interferem na saúde laboral dos trabalhadores e, portanto, importante para outras reflexões sobre o assunto, a serem desenvolvidos de forma mais ampla.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resultado H.T.P

Quadro 1. Resultados observados no H.T.P. dos dois grupos

TRAÇOS DE PERSONALIDE OBSERVADOS NOS INDIVÍDUOS SEM VULNERABILIDADE AO ESTRESSE

TRAÇOS DE PERSONALIDADE OBSERVADOS NOS INDIVÍDUOS COM VULNERABILIDADE AO ESTRESSE.

Insegurança, retraimento, descontentamento.

Rigidez.

Retraimento, regressão, preocupação consigo mesmo, fixação no passado, impulsividade e necessidade de gratificação imediata.

Medo ou fuga do ambiente.

Necessidade de apoio.

Necessidade de segurança e ansiedade manifesta

Constrição.

Introversão e fantasia e indicando atitude de desconfiança usual excessivamente defensiva.

Certo controle em conter a ansiedade e tensão interna, assim como obter segurança em seus comportamentos.

Tensão, ansiedade, energia, organicidade.

Revela Fantasia.

Introversão e fantasias em projeções.

Indicativo de maior segurança em relação aos indivíduos com vulnerabilidade alta e ansiedade mais moderada em relação às expectativas do cotidiano.

Insegurança, retraimento, descontentamento e regressão.

Presença de traumas.

Traços comuns a características humanas.

Características dentro da normalidade humana.

Traços típicos da população.

Certa tensão e ambiente.

Rigidez e tensão.

Culpa, inadequação ou rejeição.

Forte tensão e ansiedade, energia e organicidade.

Desamparo, perda de autonomia.

Traços característicos típicos da população.

Necessidade de controle.

Necessidade de segurança e ansiedade manifesta.

Traços normais dentro das características humanas.

Normalidade dentro das características humanas.

 

 

            Pode-se identificar em indivíduos com baixa vulnerabilidade ao estresse que se trata de indivíduos que apresentam uma resistência a situações de estresse, porém que trazem em suas características traços relacionados à sua personalidade indicando necessidade de controle, preocupação consigo mesmo, inadequação ou rejeição, culpa, constrição e tensão interna, assim como certo controle em conter a ansiedade.

            Obtém segurança em seus comportamentos e são indivíduos que apresentam necessidade de gratificação imediata, necessidade de apoio, fixação no passado, presença de traumas em suas vivências, traços de desamparo e perda de autonomia, fantasia, impulsividade, e indicativo de maior segurança em relação aos indivíduos com vulnerabilidade alta e ansiedade mais moderada em relação às expectativas do cotidiano.

            Para Straub13, responder ao estresse quando se fala sobre maneiras a se reagir frente ao estresse, utiliza-se a palavra enfrentamento, sendo formas cognitivas, comportamentais e emocionais como os indivíduos administram situações estressantes, sendo que nessa definição está a compreensão de que o enfrentamento está relacionado com qualquer tentativa de preservar a saúde mental e física, mesmo que tenha valor limitado.

            O enfrentamento é um processo dinâmico e não uma reação única, ou seja, é uma série de respostas que envolvem a interação do indivíduo com seu ambiente13.

            As estratégias de enfrentamento, as maneiras como as pessoas lidam com situações estressantes, visam moderar ou minimizar os efeitos de estressores sobre o bem estar físico e emocional. Visto que, nem todas as estratégias de enfrentamento são eficazes, pois podem proporcionar certo alívio em curto prazo, entretanto, segundo Straub13, tendem a ser mal adaptativas em longo prazo.

            O mesmo autor ainda explica que, em alguns casos, não importa qual estratégia de enfrentamento poderá vir a ser utilizada, pois o estressor não pode ser eliminado e sua recorrência não pode ser impedida. Em vez disso, as estratégias podem simplesmente ajudar a tolerar uma determinada situação.

 

Enfrentamento focalizado na emoção

 

            Para Straub13, no enfrentamento focalizado na emoção, são usadas estratégias comportamentais e cognitivas para administrar as reações emocionais ao estresse. As estratégias comportamentais incluem buscar pessoas que oferecem apoio social, usar álcool ou outras drogas psicoativas ou manter-se ocupadas para desviar a atenção do problema, e nas cognitivas envolvem mudar a maneira como o estressor é avaliado ou negar informações desagradáveis.

            O autor ainda relata que as pessoas tendem a utilizar a forma de enfrentamento focalizado na emoção quando acreditam que pouco ou nada possa ser feito para alterar a situação estressante ou quando acredita que seus recursos ou capacidades de enfrentamento são insuficientes para as demandas da situação estressante, como a perda de um ente querido. Existem três tipos de enfrentamento focalizado na emoção: fuga-evitação, distanciamento e reavaliação positiva. Na fuga-evitação, o individuo se afasta física ou psicologicamente do estressor. O Distanciamento envolve afastar -psicologicamente do estressor, e na reavaliação positiva requer reinterpretação da situação para transformar algo negativo em positivo13.

 

Enfrentamento focalizado no problema

 

            Para Straub13, no enfretamento focalizado no problema, as pessoas lidam diretamente com a situação estressante, seja reduzindo as demandas ou aumentando a capacidade de lidar com o estressor. Elas tendem a contar com estratégias de enfrentamento focalizado no problema quando acreditam que seus recursos e situações são inconstantes.

Para Lazarus e Folkman14 existem dois tipos de enfrentamento focalizado no problema: o enfrentamento proativo e o enfrentamento combativo. No enfrentamento proativo, também chamado de enfrentamento preventivo, as pessoas buscam prever ou detectar estressores potenciais e agir antecipadamente para preveni-los ou minimizar seu impacto, todavia no enfrentamento Combativo, o individuo reage ou tenta escapar de um estressor que não pode ser evitado. Como o estressor é inevitável, pode ser necessária a ajuda externa para enfrentar a situação.

            Pode-se identificar em indivíduos com alta vulnerabilidade ao estresse, alguns traços em sua personalidade como: introversão, rigidez, medo ou fuga do ambiente, insegurança, retraimento, descontentamento e regressão em relação aos comportamentos, introversão e fantasias em projeções e fantasias indicando atitude de desconfiança usual excessivamente defensiva, e grande necessidade de segurança e ansiedade manifesta, assim como grande tensão interna, energia e organicidade e podemos identificar que muitos traços estão relacionados a situações de estresse.

            A caracterização do estresse, conceituada na idéia de desgaste e por oposição de resistência, traz para a cena do dia a dia, do trabalho, do fazer, do ir e vir, do simples estar acordado, a imperiosa necessidade de dar conta do avanço do relógio biológico e um programa a ser executado. A organização do trabalho torna-se fonte de desgaste, pois envolve a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, um sistema hierárquico de poder, modalidades de comando, a distribuição das responsabilidades. À organização do trabalho somam-se as condições de trabalho, estas mais ainda, fontes de adoecimento. Essas condições de trabalho aliadas à organização do trabalho tornaram-se objeto de preocupação e de intervenção de todo o conjunto de profissionais que se formam dentro do campo da saúde, e no nosso caso da saúde mental, preocupados com o sofrimento decorrente do trabalho segundo15.

            O processo de produção da saúde: trabalho e desgaste operário, estudo que explicita a importância da investigação da saúde a partir das relações do trabalho com o desgaste operário que segundo Laurell; Noriega16 se dá o desgaste um conceito que transita pelo somático e pelo psíquico, aparecendo tanto como potencialidade ou como uma manifestação, muitas vezes é inespecífico e não demonstrável e ou mensurável. É possível ser inferido por meio de indicadores globais ou ainda de “indicadores de processo”. Por exemplo, “um desses indicadores de processo poderia ser a reação prolongada de estresse, e outros parâmetros, como o gasto e a ingestão calórica”.

            A construção teórica da relação entre “processo de valorização, processo de trabalho, cargas de trabalho e processo de desgaste confere certa capacidade de predição com relação ao que caracteriza o padrão de desgaste de um determinado grupo de trabalhadores” 17.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Pode-se concluir que de acordo com os dados obtidos nos testes Event - Escala de Vulnerabilidade ao estresse e HTP - Casa-Árvore-Pessoa, além do questionário sócio-demográfico, que a vulnerabilidade ao estresse está relacionada com a maneira em que cada individuo conduz suas expectativas e comportamentos frente a sua vida pessoal e profissional, ambas caminham juntas em relação ao agente estressor.

Os indivíduos com vulnerabilidade baixa ao estresse, de acordo com os dados obtidos, em sua maioria administram de maneira altruísta seus objetivos e se propõem a realizar tais funções por motivos pessoais, estejam estes motivos até mesmo relacionados com culpas, ou mesmo por não demonstrar tais conteúdos que foram identificados no teste H.T.P. sendo em sua maioria indivíduos que por meio da compensação, sua resistência é maior em relação ao ambiente estressor, porém mesmo que exista uma tolerância a situações de pressão ou mesmo a frustrações, esse indivíduo poderá compensar tais aflições com recursos negativos para o seu bem estar, sendo com meios externos como o uso de drogas, cigarros, bebidas alcoólicas, e outros meios que poderão posteriormente lhe trazer malefícios, e mesmo que contenha esta pressão do meio ou mesmo interna, esse indivíduo poderá em um determinado momento trazer à tona todos os conteúdos que não foram bem direcionados.

Os indivíduos que apresentam vulnerabilidade ao estresse estão, mesmo que de maneira conflitiva, entrando em contato com suas angústias, ao passo que, estejam em contato de maneira consciente sobre as causas, pois o estresse não pode ser nomeado como o problema, sendo ele um meio do indivíduo perceber que seu corpo está reagindo de maneira sinalizadora seu desconforto psíquico ou físico. Observou-se que os maiores índices de vulnerabilidade ao estresse associam-se a características no manejo de enfrentamento a situações conflituosas, sejam elas no ambiente familiar ou mesmo no ambiente profissional, sendo que o estresse é visto de maneira intrínseca mesmo que os dados relacionados ao teste. Esses indivíduos possuem a mesma propensão a desenvolver em algum momento um quadro de estresse, porém que poderiam sublimar esta condição de tensão, ou mesmo compensar tais situações no ambiente laboral. Também de acordo com o grau hierárquico as consequências deste quadro alteram-se, pois o indivíduo que possui um cargo de liderança poderá influir no comportamento de uma equipe, caso sua função esteja relacionada com liderança, pois nota-se que nesta amostra um dos agentes estressores é o ambiente profissional.

Contudo nota-se que os indivíduos com vulnerabilidade ao estresse, necessitam de ajustes e / ou acompanhamento terapêutico, mudanças em suas rotinas alimentares, mudanças na infraestrutura da organização e conscientização sobre o estresse e suas consequências.

 

AGRADECIMENTOS

Pesquisa desenvolvida com o apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Guarulhos – PIBIC-UnG.

 

REFERÊNCIAS

1. Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes– Doença ocupa segundo lugar no ranking dos afastamentos do trabalho. SOS Saude Ocup Segur. 2000; 35(210): 4-5.

2. Dejours C. A loucura do trabalho. São Paulo: Cortez; 1987.

3. Lipp MEN. Pesquisas sobre stress no Brasil: saúde, ocupações e grupos de risco. Campinas: Papirus; 1996.

4. Selye H. Stress: a tensão da vida. São Paulo: IBRASA; 1959.

5. Bohlander G. Administração de Recursos Humanos. São Paulo: Pioneira; 2003.

6. Robbins ST. Comportamento Organizacional. São Paulo: Pearson Prentice Hall; 2005.

7. França ACL, Rodrigues AL. Stress e Trabalho: uma abordagem psicossomática. São Paulo: Atlas; 1996.

8. Assunção, RM, Castro PF. Levantamento da produção científica sobre avaliação psicológica relacionada ao estresse no trabalho. In: Anais do XL Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia – SBP; 2010; Curitiba: SBP; 2010.

9. Lakatos EM, Marconi MA. Fundamentos de metodologia científica. 3ª ed. São Paulo: Atlas; 1991.

10. Sisto FF, Baptista NM, Noronha P PA, Santos AAA. EVENT: Escala de vulnerabilidade no trabalho. São Paulo: Vetor; 2007.

11. Buck JN. HTP – Manual e guia de interpretação. São Paulo: Vetor Editora; 2003.

12. Freitas NK, Cunha JA. Desenho da casa, árvore e pessoa (HTP). In: Cunha JA.. (col). Psicodiagnóstico V. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. p. 519-28.

13. Straub RO. Psicologia da saúde. Porto Alegre: Artmed; 2005.

14. Lazarus RS,  Folkman S. Stress, appraisal and coping. New York: Springer; 1984.

15. Arantes MAAC, Vieira MJF. Estresse: clínica psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002.

16. Laurell AC & Noriega M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec; 1989.



* Rogerio Manssanari de Assunção – Aluno da Universidade Guarulhos. e-mail: rogeriomanssanari@ig.com.br

** Paulo Francisco de Catro - Professor Adjunto do Curso de Psicologia da Universidade Guarulhos e

Professor Assistente Doutor do Departamento de Psicologia da Universidade de Taubaté. e-mail: castro.pf@uol.com.br