DETERMINAÇÃO
DO TEOR DA CAFEÍNA EM BEBIDAS ESTIMULANTES
DETERMINATION OF CAFFEINE MOISTURE IN STIMULATING BEVERAGES
Bortolini K*,
Sicka P**, Foppa T***
PALAVRAS-CHAVE: Xantina. Cafeína. Extrato aquoso.
KEYWORDS: Xanthine. Caffeine. Aqueous extract.
A teofilina, a cafeína e a teobromina são xantinas
metiladas, ou metilxantinas. As xantinas são bases nitrogenadas da mesma classe
(alcalóide) em que incluem a atropina, cocaína, efedrina, morfina, quinina,
nicotina e várias outras, todas relacionadas a grande variedade de ações
fisiológicas.
A cafeína - 1,3,7-trimetilxantina - é absorvida mais
rapidamente e as concentrações plasmáticas máximas são atingidas em 1 hora. As
metilxantinas distribuem-se em todo organismo atravessam a placenta e passam
para o leite humano. Os volumes de distribuição da cafeína variam de
0,4-0,6L/Kg. A cafeína liga-se às proteínas plasmáticas e a fração ligada
diminui à medida que aumentam as concentrações da metilxantinas. A cafeína
acumula-se no plasma numa concentração de cerca de 25%1,2.
Os efeitos
maléficos e benéficos das xantinas já foram estudados, mas ainda são objetos de
pesquisa. Dentre seus benefícios estão a estimulação do Sistema Nervoso
Central, diminuindo a fadiga, aumentando o estado de alerta; estimula a
broncodilatação e a induz ao aumento da respiração; no sistema cardiovascular
em doses elevadas aumenta a contratibilidade do coração, possui pequena ação
diurética, eliminando íons pela urina; e estimula a secreção gástrica1-3.
O consumo
excessivo, porém, pode acarretar palpitações, convulsões, dores de cabeça e
estômago, insônia, perda de apetite, náusea, vômito, depressão, falta de
potência, entre outros problemas1,2. Doses moderadas de cafeína
podem provocar sensações intensas de ansiedade, medo ou pânico em alguns indivíduos.
Mesmo as pessoas com história de uso leve a moderado de cafeína sentem tensão,
ansiedade e disforia depois de ingerirem 400mg ou mais dessa substância1,2. As pessoas que consomem diariamente 600mg de cafeína
por dia (aproximadamente 6 xícaras de café) após suspenderem o uso, sentem
letargia, irritabilidade e cefaléia, é a dependência moderada1,2. De
5 a 12g de cafeína (aproximadamente 100 xícaras de café), pode ser letal, pois,
induz a arritmias cardíacas, convulsão, coma, edema pulmonar, parada cardiorrespiratória.
Nestes casos, o tratamento é descontaminação gastrintestinal e de suporte, como
analgésicos e administração de anticonvulsivante se necessário1,3.
Ela é
encontrada em diversas concentrações em várias bebidas como o café, chá,
bebidas tipo cola, cacau, guaraná, energéticos, entre outros1,3,4. A
tolerância a bebidas que contém cafeína pode levar a dependência moderada e até
a intoxicação em longo prazo1,3,4.
Neste contexto cria-se uma preocupação quanto aos
produtos contendo cafeína disponível no mercado, visto que há um grande consumo
destes, principalmente entre os jovens. Existem trabalhos publicados sobre a
determinação da cafeína, porém nenhum que comparasse a sua quantidade nas
bebidas estimulantes mais consumidas com a metodologia proposta. Em 1995,
Andrade e colaboradores estudaram a quantificação de cafeína em bebidas por
cromatografia líquida de alta eficiência, uma metodologia que gera custos
impossibilitando pequenos laboratórios de realizarem este tipo de experimento.
Este trabalho assim pretende comparar a quantidade de cafeína em diversas
bebidas e enquadrá-las dentro dos limites estabelecidos pela legislação
brasileira.
Foram avaliadas cinco amostras que contém cafeína: 1. café solúvel; 2. chá preto; 3. energético; 4. bebida de cola; e 5. extrato de guaraná concentrado. Determinou-se a porcentagem de cafeína em cada bebida e o seu respectivo extrato aquoso.
De acordo com a metodologia proposta pelo Instituto Adolfo Lutz5, pesou-se 1g de cada amostra. Adicionou-se 2mL de ácido sulfúrico e homogeneizou-se. Aqueceram-se as amostras em banho Maria a 37°C por 15 minutos. Cuidadosamente, adicionou-se 25mL de água fervente em cada béquer e aqueceu-se por mais 15 minutos em banho-maria a 37°C. Filtrou-se as amostras a quente em papel filtro, lavou-se cada béquer e seu respectivo filtro com três porções de 5mL de água quente acidulada com 2 gotas de ácido sulfúrico. Após as filtrações, recebeu-se os filtrados e as águas de lavagem em um funil de separação de 250mL. Neutralizou-se os filtrados com 10mL de NaOH 40% em cada funil de separação. Deixou-se esfriar por 15 minutos. Adicionaram-se 15 mL de clorofórmio em cada funil de separação e agitou-se. Esperou-se separar as camadas e decantou-se a camada clorofórmica através de filtros, para balões de fundo chato de 250mL, previamente aquecido em estufa a 100°C por uma hora, resfriado em dessecador e pesado.Repetiram-se as extrações com 3 porções de 15mL de clorofórmio em cada amostra. Os extratos foram destilados para se retirar o clorofórmio, até que os volumes dos extratos se reduzissem à cerca de 10mL cada.
De acordo com a metodologia proposta pelo Instituto Adolfo Lutz5, pesaram-se 5 béqueres de 50mL cada e pipetou-se aproximadamente 10mL de clorofórmio onde estava contida a cafeína extraída. Evaporou-se o clorofórmio até a secura. Aqueceu-se em estufa a 100°C por 1 hora, resfriou-se em dessecador e pesou-se. Levou-se mais duas vezes à estufa, e obtiveram-se então os pesos da cafeína em cada bebida.
De acordo com a metodologia proposta pelo Instituto Adolfo Lutz5, pesou-se 2g de cada amostra e transferiram-se cada amostra para um frasco de fibra de 500mL. Adicionou-se com cuidado em cada frasco, 200mL de água quente. Adaptou-se o refrigerador de refluxo aos frascos e aqueceu-se por 1 hora. Transferiram-se cada amostra para um balão volumétrico e lavaram-se cada frasco com 100mL de água quente e transferiu-se essas águas para seu respectivo balão. Resfriaram-se os balões e completou-se o volume com água fria e filtrou-se. Transferiu-se com o auxílio de uma pipeta, 50 mL de cada filtrado, cada um para um béquer de 100mL, previamente aquecido em estufa a 105°C, por 1 hora, resfriado em dessecador, com cloreto de cálcio anidro, e pesado. Pesaram-se cada béquer e colocou-se para evaporar até a secura. Aqueceu-se em estufa a 105°C por 1 hora, resfriou-se em dessecador e pesaram-se cada béquer. Levou-se mais duas vezes à estufa e obtiveram-se então os pesos dos extratos aquosos de cada bebida.
Para a dosagem da cafeína, realizou-se o cálculo, seguindo a equação 1, onde o resultado demonstra a porcentagem de cafeína em cada bebida.
Para a determinação do extrato aquoso, realizou-se o cálculo, seguindo a equação 2, onde o resultado demonstra a porcentagem do extrato aquoso em cada bebida.
Onde: N = massa em g de cafeína
P = massa em g da amostra
Não houve perdas durante os procedimentos das
determinações. A tabela 1 mostra os valores de cafeína e seu respectivo extrato
aquoso em bebidas estimulantes.
Tabela
1: Porcentagem e desvio padrão de cafeína e extrato aquoso em bebidas
estimulantes.
Amostra |
Cafeína
(%) |
Extrato
aquoso (%) |
Café solúvel |
3,99 ±0,02% |
34,81 ±0,01% |
Chá preto |
2,99 ±0,01% |
15,0 ±0,02% |
Energético |
0,76 ±0,01% |
4,78 ±0,03% |
Bebida de
cola |
1,82 ±0,02% |
4,7 ±0,01% |
Extrato
de guaraná concentrado |
1,0 ±0,01% |
9,9 ±0,01% |
Quanto à determinação de cafeína em café, verificou-se que a amostra estudada encontra-se dentro dos padrões preconizados pela legislação da ANVISA6, que devem ser no mínimo 0,7%.
As quantidades de cafeína encontradas nos diferentes tipos de café consumidas variam conforme o tipo de café, quantidade de pó utilizada e a forma de preparo. Os teores de cafeína variaram entre 0,534 a 1,051% entre as diversas marcas de café. A quantidade encontrada no presente estudo (3,99%) está acima desses valores. Recomenda-se que o consumo diário de cafeína não deve ultrapassar 300mg/dia7. A diferença entre os teores de cafeína se deve às diferentes variedades dos grãos utilizados nas suas formulações8.
Quanto à composição de cafeína em chás, leva-se em conta que a
composição das folhas de chá pode variar com a espécie, idade das folhas, clima
e condições de cultivo. Entretanto, a doses de cafeína em chá preto foram
detectadas em valores que variaram
de 2,41 a 2,61%9. Estes valores se aproximam dos encontrados por
outro estudo, que encontraram entre 2,58 e 3,29%10.
Entre as amostras analisadas havia uma de chá do Ceilão, na qual foi encontrado
2,58% de amostra11. Valores menores, variando de 0,76 a 1,74
%, em chá preto foram encontrados em estudo posterior12.
No presente trabalho foi encontrado
valor de 2,99% de cafeína para amostra de chá preto, estando dentro dos padrões
preconizados pela legislação, que é de 1,5% e com valores próximos a outros
estudos realizados.
A determinação de cafeína em extrato de guaraná concentrado mostrou que a amostra estudada encontra-se abaixo dos padrões preconizados pela legislação da ANVISA6, que devem ser no mínimo 3,0%. Porém outros trabalhos também encontraram valores abaixo do recomendado, indicando que o extrato de guaraná contém 0,684% de cafeína.13 Em estudo anterior, o extrato de guaraná contém 0,96% de cafeína..14
A cafeína determinada em amostra de bebida contendo cola foi
de 1,82%. Outro estudo encontrou 0,010%.15 Encontrou-se
também, para a bebida de cola 0,013%16. Estando o valor encontrado nesse doseamento, maior
que os valores encontrados em outros estudos. Além da falta de fiscalização em
função de não haver uma legislação que quantifique um limite de cafeína em
bebidas de cola, os estudos são escassos, isso faz com que a formulação possa
ser modificada.
Para a bebida energética, a cafeína determinada foi de
0,76%. Bebidas energéticas possuem 0,032%,16 mesmo valor encontrado
no rótulo do produto comercial. Porém este valor está abaixo do encontrado
neste estudo. Não existe legislação que determine um limite de cafeína nestes
tipos de bebidas, o que possibilita uma variação nas concentrações de cafeína
de diversas bebidas que contenham cola ou bebidas energéticas. Possivelmente,
durante a produção destas bebidas, há uma falha de homogeneização e
distribuição da cafeína por todo o lote, o que explica os resultados tão
diferentes.
Extrato
Aquoso
O resultado encontrado na determinação do extrato aquoso
indica que, a amostra de café encontra-se dentro dos padrões preconizados pela
legislação da ANVISA6 , que deve ser
no mínimo 25%. O extrato aquoso do café torrado e moído apresenta a quantidade de substancias capazes de
se solubilizar em água fervente. No entanto, a adição de substâncias estranhas
e minerais pode ser responsável pela obtenção de maiores valores ou a redução
dos valores para este extrato17.
O café torrado e moído geralmente apresenta diferentes graus
de torração e moagem e é consumido de diferentes misturas de variedades de
cafés, sendo assim, é comum observar-se variações nos teores de extrato aquoso18.
O extrato aquoso também varia entre as diferentes marcas de café devido a época
de colheita. Colheitas realizadas nos meses de janeiro apresentam teores de
24,38 a 29,73% e as dos meses de julho variam de 24,57 a 37,88%, ou seja, com o
passar dos meses, o teor de extrato aquoso aumentou.19 O valor
encontrado na amostra de café é próximo aos valores encontrados em outros
estudos semelhantes.
O resultado encontrado na determinação do extrato aquoso
indica que, a amostra de chá preto encontra-se fora dos padrões preconizados
pela legislação da ANVISA6, que deve ser no mínimo 24%. Da mesma
forma que o café, o extrato aquoso do chá preto apresenta a quantidade de substancias capazes de
se solubilizar em água fervente.17 No entanto, a adição de
substâncias estranhas e minerais pode ser responsável pela obtenção de maiores
valores ou a redução dos valores para este extrato. Acredita-se que a época de
colheita influencie no extrato aquoso da mesma forma que no café, porém, não
existem resultados publicados sobre este assunto.
A determinação do extrato aquoso no guaraná foi de 9,99%; para a bebida de cola foi de 4,76%, e para o energético foi de 4,78%. Não existe legislação que preconize um limite de extrato aquoso para estes extratos, O que possibilita uma variação nas concentrações de diversos produtos contendo extrato de guaraná, bebidas de cola e bebidas energéticas.
A metodologia proposta é adequada para a determinação
de cafeína em bebidas e apresenta a vantagem do baixo custo, possibilitando que
pequenos laboratórios possam realizá-la. Devido ao fato da cafeína estar
presente em diversas bebidas, percebeu-se a necessidade de comparar a
quantidade de cafeína contida em cada tipo de bebida, conhecida popularmente
como estimulante.
Todas as bebidas analisadas possuem cafeína, algumas
atendem a legislação, outras não possuem uma legislação que regulamente a
quantidade adequada. Da mesma forma acontece com o extrato aquoso. É importante
que as autoridades responsáveis revejam a legislação e façam uma fiscalização
mais rigorosa nestes produtos alimentícios, e que a população seja instruída
sobre a composição das bebidas, mas para isto é necessária a informação no
rótulo do produto – quantidade e qual o máximo indicado para o ser
humano, para que não haja risco de enfermidade.
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* Karla Bortolini – Universidade do
Contestado – UnC. e-mail: karla.Bortolini@brturbo.com.br
** Patrícia Sicka – Universidade do
Contestado – UnC. e-mail: patisicka@hotmail.com
*** Talize Foppa – Mestre em Controle de Qualidade – UFSC, coordenadora do curso de Farmácia pela Universidade do Contestado – UnC. e-mail: talizefoppa@yahoo.com.br